sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CXI

Não há mais luz.
Mas o fogo ainda queima. E mata.

por mazé mixo

CX

Salão do Barbeiro, Subúrbio do Rio de Janeiro.
Samuel, 15 anos, está cortando o cabelo.
No pequeno salão de paredes verdes desbotadas os homens riem, lêem jornal e assistem futebol.
Samuel, suando, segura firme na velha cadeira, tentando não chamar atenção.
O homem aparando seus cabelos aparenta ser mais velho do que seus 41 anos. Tem as mãos grossas e peludas. Na verdade o homem tem pêlos saindo das narinas, das orelhas e da gola da camisa. Cheira a suor azedo e creme de cabelo barato. As mãos, rápidas, deslizam entre os fios, firmam o pente, picotam com a tesoura, enquanto os olhos fogem para o televisor e para as pernas cruzadas da mãe de Samuel, sentada atrás.
A mãe, de saia curta, sorri impaciente.
Samuel sua ainda mais quando vê o homem deixar a tesoura de lado e preparar a espuma para terminar seu trabalho.
São 3 horas da tarde. Um dos times faz um gol. O homem desliza a espuma próxima à orelha do rapaz, que aperta ainda mais os braços da cadeira. A mãe levanta para buscar um copo de água e tem seu corpo seguidos por todos os olhos. A espuma agora chega à nuca de Samuel, que respira fundo. Um dos homens repara no nervosismo do rapaz. A mãe senta-se novamente. O barbeiro começa a deslizar a lâmina pela espuma. Os pêlos de Samuel enrijecem devagar, seu corpo estremece com as mãos firmes em sua nuca. Mais um gol, do time adversário. O rapaz sente calor, e geme baixinho enquanto os homens gritam com a televisão. A luz se apaga dentro do pequeno estabelecimento. A luz se apaga lá fora. A luz se apaga em todo lugar. As mãos firmes do homem na nuca do rapaz. As mãos do rapaz no seu próprio sexo. As mãos de alguém nas pernas da mulher. Entre a desorientação geral o jovem sorri aliviado, limpa-se e vai embora.

por mazé mixo

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

CIX

Porque a ideia era importante e tinha medo de que lhe fugisse, anotou em um pedaço de papel que estava à mão.

E para achar o maldito papel depois que a Escuridão chegou...?

por iris yan

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CVIII

Já se passaram 5 anos desde o ultimo relato sobre a existência de luz. 
Um mendigo na Cinelândia disse ter visto um disco voador. 
Hoje ele é chamado de Doutor da Luz, faz quatro refeições por dia e criou a ESB (Et's Sangue Bom.), sua própria religião.
Um dos dizeres mais conhecidos de Doutor da Luz é " - Só us Et tirá us demônio dar pessoas." 

Aula de História, ano 7 da era escuridão.



por getulio ribeiro

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CVII

- Tudo bem, eu já vi coisas de mais mesmo, já li livros e vi filmes por toda uma existência.
- Não vou sentir falta de outras frivolidades também, afinal careca e com esse nariz... Pra que reflexo? 
- Luz pra isso não preciso, não quero!
- mas bem que alguém poderia dar uma alumiadinha aqui, rapidinho, só para ter certeza que essa Maria não é João. 

por gledson machado

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

CVI

O estalo se deu, talvez ali, enquanto os versos manchavam o papel. A Escuridão não tardou a envolver todo o ambiente. Se desse para ler ou ouvir, o poema natimorto gritaria a sensação que agora existia. No escuro, com medo, talvez, riscar palavras, esquecer sentimentos fosse uma saída. Porém, as palavras que traduziam a alma, mesmo riscadas, esquecidas, não abandonaram a Escuridão.
por silveira machado

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CV

No início do século 21, especulava-se que eram feitas duas clarividências por dia. As pessoas já nem se importavam mais com tais previsões, tanto que a mais surpreendente destas fora do vidente Tunico Diabo: "- A Terra corre perigo, alguém irá tacar algo em sua cabeça, causando-lhe um grave traumatismo."
No dia seguinte, o candidato a Presidente José Serra foi atingido na careca por uma bolinha de papel.
Mas a humanidade volta a dar atenção às previsões no dia 25 de outubro de 2010, quando ao invés de duas, foram feitas três clarividências. A primeira foi da mãe Diná: "- Pessoas irão morrer hoje". Foram registradas 532 mortes em hospitais, estradas e favelas em todo Brasil. A segunda foi a de João Maravilha: "- O X-tudo custará 4 reais e 50 centavos". E tudo começou na Lapa. O terceiro foi a de Polvo Paul que estava agitado em seu aquário e fez a previsão: "- A luz de todo Universo irá desaparecer e todos os peixes com luz própria irão morrer, pois suas almas se apagarão".
No dia seguinte ele foi encontrado morto em seu aquário e com seus 8 pulsos cortados.
Aula de História, ano 5 da era Escuridão
por getulio ribeiro

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CIV

Todos os dias as pessoas acordavam, mas a Escuridão arrancava sonhos. Depois do ano I houve o período de Adaptação. O Período de Adaptação consistia em uma identificação de fluxos de neurônios para descobrir o que se pensava. Descobriram que algumas pessoas tinham Síndrome de Inadequação Mental. Algumas pessoas tinham pesadelos. No começo quase ninguém lembrava, mas quando um expressou a experiência, multidões começaram a vivenciá-la.

Cristal foi a primeira. O pesadelo na Escuridão não era feito de cores nem de movimentos nem de imagens há tempos adormecidas. Pesadelos eram feitos de descontrole corporal. Ao deitar e fechar os olhos o período de REM mandava choques para as pontas dos dedos.

Cristal foi a primeira a percebê-los. Depois dos choques, os braços ficavam presos, rentes ao corpo. As unhas latejavam, as têmporas pinicadas com alfinetes. Mas a pior parte acontecia na barriga. O clímax do pesadelo acontecia quando um peso sobre a massa do sonhador exprimia a gordura do abdômen. A pessoa achava que estava sem ar e as informações obtidas com os voluntários mostraram resultados semelhantes à torturas de guerra.

Foi por causa de Cristal que os líderes começaram a se interessar por pesadelos. Ela acordava com as veias alteradas, seu corpo lutava contra sua mente tentando se libertar das amarras oníricas. Era uma luta física. Depois de 349 pesadelos, as veias engrossaram tanto que Cristal passou os últimos 433 dias de sua vida sem dormir. Lutou até estourar, como em autocombustão.

Os olhos não mais enxergavam, mas os corpos reagiam e a mente desconstruía-se para se adaptar. Alguns diziam que pesadelos eram como grãos de prata de película. Ninguém imaginava o que viria quando o corpo finalizasse o filme. Poucas pessoas só sonhavam. 

por hanny saraiva

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CIII

"Não caíras em tentação!"
 
Jornada cineclubista em Recife.
Em meio a uma das reuniões da Jornada, toda a luz daquele local desapareceu, assim como toda a luz do Universo. Ninguém grita afirmando estar cego ou coisa do tipo, porém começam a conversar:
 
COUTO
Blackout?
 
KDU
Mas são 2 da tarde, deveria estar claro, não?
 
COUTO
Fudeu cara, o que a gente faz?
 
KDU
Ahh, vamos fumar maconha.
por getúlio ribeiro

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CII

Vou te contar uma estória.
Chega aqui, mais perto do fogo, mas cuidado, nesses noites de vento gelado o fogo pode te queimar sem você perceber.
Pois bem. Eu tinha 27 anos naquela época. Morava numa cidade e ia trabalhar em outra, bem maior e movimentada.
As ruas eram cheias de gente, que andavam apressadas de um lado pro outro. E os vendedores ambulantes vendiam de tudo nas ruas. Mesmo correndo pra não me atrasar eu tinha tempo de admirar os prédios enormes e espelhados. Era tudo muito bonito.
E eu achava que ia ficar rico, ser um daqueles executivos com carros novos e motoristas e secretárias loiras e notebook a tiracolo. Era ingênuo e irresponsável. Não era ainda o homem que sou.
Foi numa manhã chuvosa que encontrei aquele homem. Eu andava apressado, pois já estava atrasado. Me lembro da cena. Olhei pra frente, vendo todo aquele mar humano seguindo a mesma direção que eu. E naquele mar de repente esse homem parou, virou de costas e ficou me olhando. Continuei andando, e ele continuou parado, olhando pra mim. Quando cheguei perto, fui me desviar, mas ele me barrou a passagem, sempre olhando em meus olhos. E os olhos dele eram tristes, estáticos, como se não tivesse expressão. Você nem deve se lembrar como os olhos das pessoas conseguem dizer sobre elas...
Ele me disse: "Cuidado com suas escolhas". Eu falei pra ele sair da minha frente, e continuei andando. Já alguns passos depois eu olhei para trás, e ele continuava parado, olhando em minha direção com aqueles olhos tristes, enquanto dezenas de pessoas passavam por ele. Fiquei um pouco assustado, mas continuei em frente.
Cheguei em frente ao grande prédio de janelas espelhadas onde trabalhava, e bem na porta havia um vendedor ambulante, com sua pequena barraca de madeira montada, com várias bugigangas indecifráveis. Mesmo atrasado eu parei para olhar
Havia um pinguim-anão, uma vela e uma canção escrita em letra cursiva. O vendedor tinha a mão manchada com pintas avermelhadas e duas verrugas não muito salientes. Ele não me olhou nos olhos. Seu olhar estava fixo nos objetos que eu observava.
É de uma ilha dos mares austrais, ele disse segurando o pescoço do pinguim - Ele pode te mostrar a casa, mas não vai te mostrar o número, continuou ele alisando as asas atrofiadas da ave. O pinguim tinha os olhos marejados. Pude ouvir de dentro dele ‘Cada escolha é uma consequência jogada no mundo e consequências são como bocas de leão.’
Me assustei e pisquei mais rápido que o normal . Quando percebi o vendedor estava a acender a vela. Quis dizer não, não, por favor não acenda, mas o pavio curto foi mais rápido que as palavras. A mãe dele havia lhe presenteado com uma vela azul e ele levou para lá por respeitar os mais velhos. A vela vai te guiar, ele disse que ela disse, vai te mostrar a ter paciência, mas também vai te confundir com o bruxulear. Vai te fazer nomear o que você acha que é alegria, o que é tristeza, o que é necessidade e o que é superficial. Mas nada disso será real.
Eu poderia ter apagado a chama com os dedos, mas o vendedor assoprou e a enrolou em um pedaço de jornal assim que peguei o papel, com letras tremidas escritas de forma rápida.
Essa é a canção pra sua vida, ele disse.
Eu dei uma risadinha de boca fechada.
Você vai escrever e reescrevê-la, mas tudo o que você precisa saber está aí, ele continuou. 
Não tem nome, retruquei ironizando. 
Você dá nome a sonhos quando acorda? – ele perguntou sério.
O vendedor ambulante colocou na mesma sacola a vela e o papel com a canção. O pinguim ele hesitou um pouco. Era nítido que o animal despertava afeição.
Me pague quando sair de sua mesa, quando suas gavetas estiverem cheias e sua vida for mais do que dor de cabeça – ele me disse colocando o animal gordurento sobre meus braços. O pinguim quase caiu, mas eu consegui fazer uma concha pra que ele não despencasse.
Se você não suporta tudo que carrega em você, por favor, saia de fininho. Não faça besteira nem grite, gosto de quem fala sem se alterar.  
Eu dei apenas dois passos para trás.
A vida continuou. Eu cresci dentro da firma, me tornei um dos diretores. Conheci uma bela mulher e tive um filho. Tudo parecia bom para mim. 
Cuidei da pequena ave, que engordou mas nunca perdeu a tristeza no olhar. 
A vela acendi 4 vezes, e tive respostas pra minhas perguntas. A última resposta foi que era eu mesmo quem deveria responder a todas as perguntas.
O papel com a música eu nunca abri, nunca tive coragem de ler. Talvez devesse ter lido, talvez tivesse sido diferente.
Como dizia, foi quando tudo estava bom como nunca para mim que encontrei aqueles dois homens novamente. O primeiro me veio em sonho. Disse que todas as escolhas que tinha feito teriam repercussão em breve, mas que a próxima seria a crucial. Ele me dizia isso boiando de braços abertos numa pequena piscina daquelas de plástico, sabe? Eu não podia levar à sério num sonho falando de escolhas pra mim numa piscininha de plástico, podia?
Não podia mas devia...
Aquele dia parecia outro dia tão normal como o do primeiro encontro, apesar do sonho, que a essa altura já estava em processo de esquecimento. Estava descendo do carro, no estacionamento do prédio da empresa, quando percebi uma figura esguia me esperando.
-Vim cobrar sua dívida.
- Eu não te devo nada. Tudo que conquistei foi por meu esforço! 
- Vim cobrar sua dívida.
- O que você quer? - perguntei a ele.
- Você tem uma escolha. Ou vem comigo, ou não vem comigo.
Apesar de não entender o que acontecia, eu fui tomado por um grande medo. Aquele homenzinho não havia levantado a voz, nem tido qualquer outra expressão, mas tive medo dele. Voltei pro carro correndo e acelerei, passando por cima dele. Olhei pelo retrovisor e vi aquele corpo pequeno no chão. Fui tomado por um medo ainda maior, que me imobilizou por alguns segundos. Mas voltei. Saí do carro e corri até ele, que não parecia estar ferido.
- Pensei que não fosse vir.
Então seus olhos se tornaram negros, e as luzes do estacionamento se apagaram, e a luz do sol lá fora foi ficando mais fraca, e mais fraca, e mais fraca, até tudo se tornar escuridão.
Foi assim que aconteceu. Foi tudo culpa minha.

Mas quem você acha que ele era? Deus? O coisa-ruim? E por quê a luz acabaria por sua causa?

Acho que não, pequeno. Não acredito nessas coisas. E nem sei porque a consequência do meu erro foi tão ruim. Nem sei qual foi o erro, na verdade. Mas foi culpa minha. Tudo isso. Mas hoje eu tive um sonho. Uma voz que nunca vou esquecer me disse que em breve eu terei outra chance.
E dessa vez eu não vou errar. Não vou não.

por mazé mixo e hanny saraiva

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CI


A “ coisa” aconteceu tão repentinamente que não permitiu que planos fossem traçados e alguma defesa engendrada com o intuito de rechaçar de imediato a invasão que se fazia iminente. Tudo começou tão rápido que não houve meio pra que algo fosse feito pra se defender daquele inesperado e surpreendente ataque, onde as trevas pondo em risco o próprio equilíbrio do Universo, acabaram por dominar a luz, pra levar com elas todas as cores dos nossos arco-íris e das auroras boreais, com intenção de explorá-las comercialmente. Durante o tempo em que a claridade ia se apagando, as sombras que se materializavam ao seu redor eram tragadas por uma medonha escuridão que a tudo invadia e dominava. 
O medo se estabeleceu criando confusão e pânico. Até mesmo para as estrelas, protegidas pela distância que as separava daquele ponto, faltou coragem pra abrir seus olhos de luz e enxergarem ao longe o estranho fenômeno que se apoderava da abobada celeste, demonstrando clara intenção de esconder-se atrás das próprias sombras para, no momento propício, praticar o assalto e tomar pra si as cores dos nossos arco-íris e das auroras boreais. Nem o sol com toda a sua grandeza conseguiu fazer com que seus raios penetrassem na densa e tenebrosa escuridão. 
O horror instalara-se por todo aquele imenso espaço, levando ao  mais completo desespero uma população inteiramente petrificada pelo pavor que a tornava incapaz de reagir diante do inusitado. Aterrorizadas, as pessoas procuravam se unir umas às outras, buscando se proteger. Porém, apesar de tudo, aqueles momentos de sofrimento e desespero fizeram com que grande parte das pessoas envolvidas naquele triste episódio meditasse sobre seus pontos de vista em relação a tudo que as cercava. Principalmente naqueles que dissessem respeito aos seus semelhantes. A reflexão as levou a fazer algumas interrogações pra si mesmas. Reviram alguns conceitos de vida. E se perguntaram: Só diante do medo inesperado teriam que ser iguais? Por que não, sempre? O consenso foi geral: Não eram melhores nem piores do que ninguém. E foi assim que velhos tabus foram abandonados pelo caminho; antigas tradições foram quebradas e atiradas
fora; preconceitos de todas as espécies foram deixados de lado e complexos foram esquecidos. No meio do mais completo caos já presenciado, todas as diferenças foram anuladas e deixaram de existir; níveis sociais caíram por terra; os complexos, a partir daquele instante, perderam o sentido pra continuar existindo.
Só mesmo o amor acompanhado de uma grande dose de desprendimento permaneceu mantendo a sua razão de ser durante todos aqueles momentos de pavor e de incertezas.
Depois de passados cerca de seis dias na mais plena e absoluta escuridão, que - na opinião dos amedrontados e bastante modificados moradores da região - valeram por seis séculos. Finalmente, depois desse período de quase uma semana, da mesma forma como chegaram, as trevas se retiraram sem alcançar
seus objetivos, devolvendo o lugar da luz que retornou à sua posição, voltando a ocupar o espaço que por direito sempre foi dela. A partir daquele momento, naquele lugar, nem tudo voltou a ser como era antes.
Dias depois daqueles cruciais momentos de pavor, as autoridades locais mandaram efetuar um balanço patrimonial com a finalidade de apurar os possíveis danos causados por aquele estranho apagão que colocou em polvorosa toda a população de uma vasta e populosa região. Verificou-se, com a realização do trabalho, que todas as cores dos arco-íris catalogados, bem como todos os matizes das auroras boreais, estavam intactos e acomodados em seus devidos lugares. É que com o “ black-out” , receosas de que algo de muito grave pudesse acontecer, todas as cores desses arco-íris e das auroras boreais correram e procuraram se esconder pra se livrarem da perseguição das trevas, que pretendiam tomá-las pra si e fazer com elas um caleidoscópio gigante. Espertas, as cores desapareceram valendo-se do apoio proporcionado pela própria escuridão. Por esse motivo não foram capturadas e nem levadas pelas trevas, que não obstante
tivessem revirado tudo de cabeça pra baixo, não puderam encontrar e nem levar com elas o que premeditadamente tinham ido buscar.

por gelson maciel amaral

C

cadê o abridor de latas, gritou nervoso. não vejo esta merda, será que esquecemos lá em cima?
calma que o mundo não acabou, querido. só a luz que sumiu, disse-lhe a mulher tocando-lhe no braço.
ah... suspirou quase aliviado.
rodeados de latas e mantimentos na escuridão do porão se preparavam para a terceira guerra mundial.

por iris yan

terça-feira, 19 de outubro de 2010

XCIX

Na Escuridão já não havia mais bruxos. Ninguém sabia quando era Lua Cheia ou Minguante, então Ana Clara parou de dançar pelada pelas fogueiras, pois não conseguia mais enxergar as brasas. Parou também de ir para a janela gritar Mãe Natureza.  Não viu mais sentido em sua vida, então passou a costurar meias e a trocá-las em troca de bananas. Passou fome. No escuro, as pessoas escorregavam pelo chão de taco e batiam sempre a cabeça. Ela foi queimada viva como na era da Inquisição. Chamaram-na de Ave Maldita do Pé.
por hanny saraiva

terça-feira, 12 de outubro de 2010

I e XV Revisitados



por mazé mixo (texto) e henrique de sá (música)

XCVIII


O ruim da Escuridão, é que todo mundo usa máscara. Eu não sei quem é ninguém, você pode ser qualquer um quando eu não te vejo.
Eu posso contar a maior mentira do mundo e ninguém vai notar que minhas pupilas dilataram ou que eu hesitei na hora de falar. Eles vão ouvir, engolir e pronto. A Escuridão cobriu a cara da mentira, e só deixou o som.
Eu posso me apaixonar por alguém que canta Chico Buarque no supermercado e nunca saber o seu jeito de andar, o seu sabor de miojo favorito , suas expressões faciais e o sua maneira de levantar as sobrancelhas quando acontece algo inesperado. A Escuridão me tirou o tato visual, e me deixou com lembranças.
Acho que para ser sincero, todo mundo sempre usou máscaras. Mesmo antes do escuro. A diferença é que agora, eu nunca mais vou poder julgar um livro pela capa.

por saulo martins

domingo, 3 de outubro de 2010

XCVI

Grotovsky entrou na moda. Nos lugares em que se ouvia três pontos de sons percussivos agudos havia a interpretação de uma cena. Ontem eu estava andando no calçadão de Copacabana quando ouvi som de copo, triângulo e madeira na direção da areia. Entrei, nunca havia participado. Senti seios nos meus braços, fiquei excitado, senti pau nas pernas, ainda continuei excitado, até que senti cheiro de cocô e saí correndo. - Que gente louca!

por henrique de sá

terça-feira, 21 de setembro de 2010

XCV

Aqui está bem melhor, obrigada. Porque eu sempre me senti muito invisível, diferente demais. Uma peça de outro quebra-cabeça. 
Pelo menos agora está todo mundo tão invisível quanto eu, e isso me faz sentir menos anormal. 
Não tem mais as meninas invejosas olhando com cara de fome pra mim, competindo pra ver quem tem o cabelo mais liso e os cílios mais curvos. 
Parece que as pessoas finalmente entenderam aquilo que eu sempre soube: que o inteligente é bonito. Que uma boa conversa é mil vezes melhor do que quem tem os peitos maiores. Agora todo mundo é quem realmente é, sem fingimentos de parecer outro alguém. 
Agora, quem não tem nada a dizer, simplesmente cala a boca e some. Eu gosto daqui do escuro. Não quero a luz de volta. 
A luz me consome demais. 
A luz me machuca demais. 
A luz me maltrata demais.

por mila harrison

XCIV

- Você sente falta?
- Se eu sinto falta... mas falta do quê?
- Você sabe, da luz.
- Depende muito. Algumas coisas eu sinto saudade, outras eu agradeço por não poder ver mais.

*silêncio*

- Não vai me dizer o que é?
- Acho melhor não.
- Por favor, diz.
- Eu sinto saudade da forma que você costumava me olhar. Sinto falta de ver o seu sorriso. Mas eu queria nunca mais lembrar da forma que as pessoas à nossa volta me olhavam, como se eu não te merecesse, como se eu nunca estivesse à sua altura. Como se eu estivesse cometendo um crime.
- Aquela gente. Sabe que eu nunca mais ouvi falar delas?
- Eu também não. Mas... Não sei porque, eu ainda sinto alguém olhando torto pra mim de vez em quando. É bem esquisito.
- Ei, não diz isso. Essas pessoas nunca mais vão nos atrapalhar de novo.
- Nunca mais, não. Até a luz voltar.

por mila harrison

domingo, 19 de setembro de 2010

XCIII

além de me dar medo, o escuro das noites da infância em um casarão de olinda foi responsável por situações vexaminosas. lembro que jamais conseguia achar a porta do quarto, quando acordava com vontade de fazer xixi. e terminava mijando no chão do quarto. o cheiro azedo me denunciava dias seguidos.

por julio ludemir

XCII (Interativo!)

Escreva um comentário completando a primeira frase/balão!

por iris yan

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

XCI

por iris yan

XC

por iris yan

LXXXIX

por iris yan

LXXXVIII

Lúcifer, o primeiro dos caídos, depois de dois bilhões de anos sendo o Chefe do Inferno, decidiu se aposentar. Estava cansado daquilo tudo. Sabia que nunca mais voltaria ao Paraíso. Sabia que sua revolta contra Ele nunca seria perdoada. Sabia apenas que queria outra “vida”.
Depois de ter mandado todos os demônios e almas penadas “às favas”, trancou o principal portão do inferno à chave, pegou emprestado o punhal de um demônio e ficou esperando seu convidado de honra aparecer.
Morpheus apareceu e fez o que Lúcifer lhe pedia. Cortou-lhe as asas a muito sem a inocência dos anjos e ficou de guardião da chave infernal, até que alguém se prontificasse a cuidar do inferno outra vez.
Lúcifer havia esquecido que era o portador da Luz Divina. Lúcifer acabou com a Luz do universo. Aos olhos Dele, essa foi a verdadeira revolta de Lúcifer. A primeira já era esperada, tinha sido planejada. Essa Ele não tinha como resolver. Estava decretado o Fim dos Tempos.

por luana pinheiro

domingo, 12 de setembro de 2010

LXXXVII

Uma menina andava todos os dias pelos túmulos do Cemitério Bom Retorno, situado na Vila de Três Corações, dizendo que a luz iria acabar. As pessoas que passavam, na maioria das vezes já abaladas pelas circunstâncias da vida, ficavam assustadas com uma menina tão pequena andando por ali sozinha e principalmente dando uma notícia daquelas. Ninguém sabia seu nome, nem quem era sua família, mesmo aquele todos conhecendo todos naquela vila.
No dia do enterro de Seu João, homem idôneo, 65 anos, casado, pai de quatro filhos, dono do sacolão da Vila de Três Corações, a menina acompanhava o cortejo, calada. Todos entraram no cemitério esperando que a menina dissesse alguma coisa. Nada, ela continuava calada.
A viúva de Seu João, já triste por conta do falecimento de seu amado marido, começou a ter “piripaques”, achando o silêncio da menina um mal pressagio.
No momento em que os coveiros abaixavam o caixão, a menina gritou: -É agora!
A Escuridão tomou conta de tudo bem depressa. A viúva desmaiou, os coveiros não sabiam se largavam o caixão ou se continuavam segurando, a parentada toda saiu correndo desesperada.
A mãe da menina gritou lá do portão do cemitério: Luiza, aprontando outra vez menina! Já pra casa, bora!
Ela respondeu: Tô indo mãe!
E saiu andando, sem pressa, em direção a porta do cemitério como se continuasse enxergando todo o caminho.

por luana pinheiro

LXXXVI

- Johnny, quem disse que não posso ir até a caixa-d'água? Eu não sou mais criança
- Voce nao eh mais criancca mas a escuridao nao te fez menos cega, boba...
- Acontece que agora o nível de perigo da caixa d'agua fica igual pra todos e o Johnny enxerga tanto quanto eu...
- Johnny o caralho, meu nome é Zé Pequeno!

por anderson barnabé, hanny saraiva, iris yan e mazé mixo

sábado, 11 de setembro de 2010

LXXXV

Sete de setembro.
A voz do presidente soava potente nos alto-falantes, pras pessoas acreditarem que ele estava lá.
- Graças à nossa política de incentivo à pesquisa alcançamos o primeiro lugar em produção de inteligência escura. Em Viçosa foi desenvolvido o atual sistema de agricultura escura adotado pelas sete principais economias da América Latina. A USP realizou o primeiro transplante de órgãos, onde hoje já alcançamos mais de cem mil cirurgias escuras apenas no sudeste - .

Eu não aguentava mais, fechei a janela do apartamento e fui me vestir.
Na atual conjuntura do país, eu demorava a acreditar que ele estava falando de inteligência, agricultura e cirurgias. Lembrei de uma frase que ouvia sempre da minha bisavó: 
- Meu filho, quando havia luz, eles eram exatamente assim. Não mudou nada. Mesmo no escuro eles continuam os mesmos. Político é político com ou sem luz. 
Acabei de me vestir e fui contando os passos até o elevador.
Depois dos de sempre, 32 passos, cheguei ao elevador! Desci os 4 andares pensando "como seria enxergar com os olhos?" isso sempre me parece muito estranho. Enfim, mudei de idéia fui até onde estava o nosso mais competente presidente, sua voz firme e que expressava confiança, dominava o local! Do meio da escuridão e do silêncio uma voz surge em tom de grito fazendo uma pergunta "Senhor presidente? Senhor Presidente me dê a palavra..?..Senhor..." Sem sucesso, desisti da pergunta e de ser um cidadão "atuante". Dois anos depois descobrimos que naquele Sete de Setembro, aquele bonito discurso do presidente não se passava de uma gravação! Foi a maior crise da escuridão até hoje. 

por henrique de sá, luana pinheiro, mazé mixo e veruska thaylla

LXXXIV


Meus sonhos, cada vez mais reais e iluminados
Me mostraram a mesa de xadrez na praça
Me mostraram aquela praia que eu ia comemorar
E você, do meu lado fazendo graça

Meus sonhos, tão claros
Deram sentido à minha retina
Coisa que não se aprende mais nas aulas
Também feriu a biologia

E sorrisos?
Nunca mais foram apreciados
Ou assistidos apaixonados
Nunca mais vi seu sorriso, meu amor

Todos me encaram
Mesmo sem troca de olhares
Esse mundo não tá aprendendo
Olhares não nos servem mais
E dos seus, me dói dizer
Mas sinto já estar esquecendo

Bendita luz que acabou
Espelho que já não me serve
Meus vícios que já sumiram
Você que nunca voltou.
por renan brum

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

LXXXIII

Meu nome é 說書人.
Faz 34 anos que cuido sozinho do templo. Sou o trigésimo nono guardião.Quando o próximo guardião vier, estarei finalmente no sopé do Grande Portão Branco.
Fiquei cego há 3 semanas. No momento em que meus olhos me falharam vários animais choraram no bosque ao longe. Como se soubessem de minha perda. Ou como se tivessem perdido algo também.
Desde então minha rotina não mudou muito. Acordo, faço minha meditação até a hora de cuidar das plantas, me alimento, medito novamente e vou dormir.
Até em meus sonhos continuo cego. Ou ao menos no que penso serem sonhos. Ouço conversas, vozes de outros cegos. Loucos que dizem que a luz do mundo se foi. Sonhos estranhos.
Não me lembro mais das pessoas, só de meu pai e de meu mestre.
Fico aqui, esperando meu tempo, cumprindo minha missão.
Esperando a passagem pelo Grande Portão Branco.
Espero conseguir vê-lo quando chegar até lá.

por mazé mixo

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

LXXXII

- Querido, estamos caminhando há muito tempo. Acho que a essa altura já estamos à beira do precipício.
- Mas já?
- Não sei. Mas continua segurando a minha mão. Eu estou com medo.
- Não se preocupa. Você não me vê, mas consegue sentir? Eu estou bem aqui.
- Às vezes parece que você não está aqui. Só não vai embora, por favor.
- Você não confia em mim?
- Não, eu confio. Me desculpe. Só estou com medo de cair lá embaixo.
- Eu não vou te deixar cair. Eu vou te proteger.
- Me abraça.

(...)

- Só um minuto, vou largar sua mão por um instante. Preciso amarrar meu cadarço.
- Tá.

(...)

- Você ainda está aí?

por mila harrison

LXXXI

Me lembro como se fosse hoje do primeiro carnaval depois que chegou a escuridão. Ninguém levava fé que seria um BOM carnaval. A sorte foi que um grupo de músicos que não me lembro mais o nome, teve a coragem de sair pelas ruas da cidade com barulhentos instrumentos e marchinhas antigas... Contagiou a todos, até mesmo os evangélicos caíram na folia, o que pra eles era uma festa do diabo, naquele dia era uma espécie de “Talvez amanhã o mundo acabe”. Foi o melhor carnaval da minha vida, foi lá que conheci seu avô!

- Conta mais vovó, conta mais...

por veruska thaylla

LXXX

Era uma quarta-feira quando El-Rei Dom Sebastião finalmente regressou. Desceu de sua majestosa carruagem em pleno sertão de Pernambuco. Era o ano 3 da Escuridão. Ainda juntou um bando de homens e mulheres maltrapilhos e fundou Nova Lisboa. Mas tanta espera foi em vão, logo morreu de gripe suína.

por Mazé Mixo

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

LXXIX

Tudo se apagou. Caos total.
Mortes, desespero, saques.
Semana 1.
Mês 1.
Ano 1.
Ano 2.
Ano 10.
Ano 1000.
Ninguém mais se lembra de nada.
D: E eles achavam que não conseguiriam viver sem ela.

por luana pinheiro

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

LXXVIII

De todos que pisavam a terra naqueles novos tempos, exista um grupo de homens com super poderes, capazes de dominar o escuro e fazer dele um lugar comum, como se nada tivesse mudado na vida deles. Esses homens então foram considerados mestres:
- Mestre, de agora em diante, agora que já caminhamos tanto e que o caminho é plano, liso e não temos mais pedras como referência nos guiando, pra que lado vamos?
- Homem tolo, disse então o mestre, vamos para o lugar onde seremos mais bem tratados, vamos para onde já fomos...

Em terra de cego, quem é cego é rei!

por anderson barnabé

domingo, 29 de agosto de 2010

LXXVII



por hanny saraiva e henrique de sá

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

LXXVI

"O prefeito da cidade diz não estar vendo nada de ruim para ser melhorado..."

por anderson barnabé

LXXV

O assunto que estava rolando nos últimos dias era que a culpa de toda aquela escuridão era dos Estados Unidos.

- Aposto que lá eles têm luz, oh povinho muquirana.
- Coitados, nem sabemos se a culpa é realmente deles. Eu acho que isso é coisa do demônio!! 

Enquanto isso em algum lugar dos Estados Unidos, duas pessoas que não se sabe quem, conversam.

- Não é possível!! Como isso pode ter acontecido logo conosco? Um país tão potente.
- Quando a luz voltar eles vão se arrepender!
- Eles quem?
- Sei lá... O Irã, a Coréia do Sul, Deus, o Cão... Seja quem for. Quem fez isso vai pagar, você vai ver!

por veruska thaylla 

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

LXXIII

Éramos apenas um casal de namorados, e ainda não havíamos nos tocado intimamente. Era a primeira vez de ambos.
Eu estava com vergonha do meu corpo, e ele não sabia onde tocar primeiro.
Ficamos lá, horas deitados, olhando pro teto, sem saber o que fazer...
Então eu fechei meus olhos e desejei que todas as luzes se apagassem para que eu perdesse meu medo, e pudéssemos nos amar.
Daí então tudo se fez breu
Ele disse: - Quedas de luz são freqüentes por aqui.
E eu respondi com um sorriso malicioso, procurando o botão de sua calça: - Espero que não volte nunca mais!

por thainara mp

LXXII

- Você ta tão bonita! Por que resolveu vestir roupa hoje?
- Porque o safado do cliente lá da padaria cisma de me cumprimentar pegando nos meus seios, puta que pariu! Parece que o homem enxerga! Sempre vem com a mão certinha.
- Xiiiii... Fala baixo, ou melhor, nem fala sobre isso! Você ta maluca?! Já pensou alguém ouve você falar essa barbaridade? Vão acabar te matando!
- Por falar nisso, você tem noticias daquela mulher que andava por aí gritando que tava enxergando?
- Nunca mais...

por veruska thaylla

LXXI


Abriu os olhos após horas de sono. 
Ainda pensando no sonho que acabara de ter, esperava ver a claridade em sua janela de vidro granular entrando em seu quarto como todos os dias. Porém nada podia ver. Nem ela mesma. 
Não sabia muito bem o que estava acontecendo consigo. Ouvia vozes falando e sussurrando de algum lugar. – Estamos ficando malucos? Levantou-se desorientada, e com as mãos tremendo tateando seus objetos, abriu a janela, mas nada podia ver. Nem a cor do sol amarelo, nem o verde das árvores, nem o azul do céu, muito menos o vermelho. Apenas a cor preta predominava ao seu redor, de dentro para fora. - Estou eu também fora de minhas faculdades mentais? , se perguntou. O que seria dela sem as cores, se não o preto? Há algum tempo, preferia que isso tudo acontecesse, mas superou. O preto representava o nada, o mistério, com seus olhos fechados, acompanhados de intensificação de outros sentidos. A audição de vozes de esperança, o tato de objetos e corpos, o cheio de sândalo e putrefações; o gosto nenhum. O preto puro, sem nada, o nada, o invisível, a sua cegueira de ver o mundo, pois não tinha outros olhos. Sentiu-se triste. O preto nada mais é que a falta de ver coisas belas e sonhos vitorianos. Nada mais importava naquele momento. As luzes a conduziam e faziam seu corpo expandir de alegria. Penetrou-se em si mesma, pois já não queria mais olhar o nada. Deitou-se com dificuldade, suas lágrimas escorriam quentes em seu rosto, e ao sentir o gosto salgado a fez aliviar-se de suas frustrações do mundo. Fechou os olhos, mas nada havia mudado. Até adormecer e lembrar-se de como as luzes eram tão mais belas de quando ela havia achado que tinha reparado em todos os seus gestos. Então sonhou mais uma vez. 

por mayara freire

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um mês de escuridão!

Olá a todos,
esse tipo de texto não verão aqui com freqüência (e viva o trema!).
As palavras serão rápidas, prometo.

Há um mês começamos esse projeto com apenas duas pessoas. Mas tínhamos a esperança que pudéssemos seduzir outros a escrever conosco. No segundo dia mais 3 pessoas já se juntaram a nós, e dia após dia hoje já somos 18 autores, num total de 70 postagens, e quase 700 visitas (até ontem!).

Esse espaço nos fascina pela possibilidade quase infinita de invenções e percepções. Me lembro quando vibrei quando o Henrique compôs uma música pra nós, quando fez o primeiro video com Hanny, ou quando Iris (nossa maravilhosa autora compulsiva!) postou suas tirinhas. Que esse espaço continue inspirando as pessoas a pintar como a Lua, e que continue nos surpreendendo!

Nossa ambição é que tenhamos mais e mais autores, que se aventurem nas palavras e além. A escuridão está aberta a todos.

Alguém aí ainda tem medo do escuro?

por Mazé Mixo

LXX


Todos diziam que no dia em que a Escuridão tomou conta do universo, a luz
tinha se apagado depressa, como se tivesse sido roubada.
Ela jurava de pés juntos que não, que a luz tinha se apagado lentamente no
horizonte, até que a escuridão tomasse conta de tudo.
Até na escuridão identificamos os poetas.

por luana pinheiro

LXIX

Abri os olhos, madrugada, provavelmente o mesmo horário de sempre, tirei o cobertor. Ao botar os pés no chão senti um frio na sola de gelar até os fios caídos de meus cabelos... era inverno e tudo parecia calmo... levantei e comecei: três passos à frente, dois à esquerda, esticar os braços à frente... mais vinte e sete passos a diante, cinco à direita... levantar somente uma das tampas do vaso, virar de costas, ir agachando e procurando com as mãos ao mesmo tempo... pronto... estou sentado no vaso para mais uma mijada feito mulher...
Com o final da luz todos os homens passaram a mijar assim... de lá pra cá muita coisa mudou...

por anderson barnabé

LXVIII

Um grupo de jovens se sentou lado a lado para brincar de jogo da verdade. Perguntava quem queria, respondia quem quisesse. Mas Bruthy foi surpreendida pela pergunta que mudaria sua vida: "Quem mais te deixou saudade?" Antes de Bruthy responder, todos foram incomodados por uma fonte de luz que surgiu dali. Era forte e há tempos ninguém sentia esperanças que a luz pudesse voltar.  Aquele brilho imenso durou os segundos que Bruthy teve para enxugar suas lágrimas. Ela não se deu conta do que aconteceu. E fez a próxima pergunta: "Vocês gostariam de que a luz voltasse?" Não houve resposta.

por josé alsanne

domingo, 22 de agosto de 2010

LXVII

O extrato acima foi encontrado por um gravurista que fazia pesquisa nos altos da cidade de Butãtã. A madeira usada ainda não foi identificada, mas acredita-se que o documento não se refere aos anos D.E. (Depois da Escuridão) e sim ao período anterior. Há indícios de que foi entalhada para fins acadêmicos.

por hanny saraiva


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

LXVI

Poema pra quando a luz voltou

Eu não vou para a luz.
Eu prefiro continuar com as luzes apagadas.
Eu prefiro acreditar que nada aconteceu.
Eu prefiro a companhia da vela.
Eu escolho continuar a ver mais estrelas que o normal.
Por que estão gritando?
Meu Deus, isso foi um rojão?
Eu escolho a emoção das formas retorcidas, da
Penumbra, do olhar mais atento ao chão.
Eu escolho o não saber o que se pode encontrar.
Eu prefiro a pupila dilatada.
Eu prefiro o escuro, eu prefiro o negro.
Eu prefiro o risco de ter uma vela em cima da cama.
Eu gosto do bicho papão.

por ana paula lisboa

LXV

Escuridão? Por que não?
Imagina... Que confusão
Vai ser um tal de passar a Mão...
Acho melhor não!

por cíntia monsores

LXIV

por luana pinheiro

LXIII

Quando ele entrou todos gritaram SURPRESA...
Continuaram no breu e o pancadão rolando solto...   

por veruska thaylla

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

LXII

por iris yan

LXI

por iris yan

LX


por iris yan

LIX

por iris yan

LVIII

 
por iris yan

LVII

por iris yan

LVI


Todos estavam sentados no alto do morro. O mestre de todos observava atentamente aquele único pontinho luminoso no céu!

- Mestre, e isso? Como vamos chamar?
- Não se esqueça! Vamos chamar de luz.

por veruska thaylla.

LV

Conseguia ver ainda a luz. Não trombava nas coisas, porque para ele o mundo não havia ficado escuro. Enquanto todas as pessoas pareciam cegas à sua volta, enxergava. Mas como convencê-las disso? Ninguém acreditava no que dizia, porque ninguém mais via. Sentiu-se solitário, como o primeiro fax inventado.
 
por iris yan

LXVII

Na escuridão de seu quarto, Claudio acorda assustado.
- Caralho, Ana! Tive um sonho muito estranho!
Ainda de olhos fechados, sua mulher tenta acalma-lo.
- Calma amor, volta a dormir! Foi só um pesadelo... - Ela abre os olhos, afasta as cortinas e percebe que ainda tá escuro lá fora. Tão escuro que ela nem quis se levantar pra olhar o quintal. - Daqui a pouco amanhece e você tem que ir trabalhar!
- É, mas foi muito estranho!
- Hmm... Me conta, sonhou de novo que eu te traía?... 
- Não, dessa vez foi diferente... Sonhei... que a luz acabava.
- hahaha. Deixa de besteira, eu paguei a conta ontem.
- Não. Eu tô falando de todo tipo de luz. Solar, elétrica... Como se alguém desligasse o disjuntor do universo!
- Besteira, aposto que Deus também paga a conta de luz! - Ela ri.
Ele responde com um sorriso abafado e a abraça, pronto pra voltar a dormir, antes que o despertador toque.
- Tudo bem, vamos dormir... Mas vê as horas pra mim, por favor?
Seguiu-se um longo silencio e, já impaciente, ele cutuca sua mulher e volta a perguntar:
- Ana, as horas?
Ela se senta na cama, fecha as cortinas novamente e responde.
- Onze e onze...
- Ainda? - Ele pergunta, sem acreditar que só estava dormindo há pouco mais de uma hora. 
- Da manhã! - Ela responde.

por helder garóti

terça-feira, 17 de agosto de 2010

LIV

Não havia mais pessoas que tinham medo de escuro.
Simplesmente não sobreviveram às primeiras semanas. 
Foram enfartando e morrendo aos poucos.

Sobraram todas as outras pessoas, que continuaram com medo da vida, numa vaga ansiedade em existir.
 
por iris yan

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

LIII

Achou que economizaria, uma vez que não havia mais conta de luz para pagar.
Enganou-se.
Esqueceu-se de que vivia de gato e que já não pagava a conta da Light fazia tempo.
Continuou pobre, continuou sem dinheiro para pagar o gás no final do mês.
por iris yan

domingo, 15 de agosto de 2010

LII

Sentia algo estranho no ar. Algo lá dentro fazia com que lembrasse do dia em que a escuridão tomou conta de tudo, mesmo passado tanto tempo.
Estava tão tensa que o neto podia sentir aquela mistura de medo e ansiedade. Ela o abraçou e ficaram em silêncio.
Quando a luz começou a entrar pela casa, o neto começou a chorar sem saber o acontecia.
Ela só conseguia beijá-lo, agradecendo aos Deuses pela graça alcançada.

por luana pinheiro

LI

- Nossa Fred, essa história é muito doida...
- Pois é... dizem que a luz vai voltar.
- Mas cara, que negócio é esse de luz? Me explica aí essa parada.
- Eu não sei explicar direito, mas os cientistas dizem que quando a luz voltar, vamos voltar a ver com os olhos!?!
- Ver com os olhos? Meu Deus! Vamos ver com os olhos! Meu Deus...

por luana pinheiro

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

L

Anoushka

Era uma estrada de terra longa e quase infinita. O sol insistia em ir embora e me deixar sozinha. Algumas aves voavam desesperadamente pelo céu que começava, segundo a segundo, ficar cada vez mais escuro. Eu continuei caminhando. Um trovão ali, gotas grossas e frias despencavam do alto. Hoje tinha festa no céu e eu não fui convidada.

A chuva era perfeita e trazia calma. Já não havia nenhuma luz, somente a que eu carregava dentro de mim, mas era suficiente para iluminar o que os meus olhos queriam ver. Olhei pro céu e os deuses dançavam, e seu suor caia na terra seca fertilizando as sementes, brotando luz. Eu fui convidada para a festa. Obrigada Anoushka.

por flor baez

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

XLIX

se vestiu
chapéu, blusão e calça.
conversou, bebeu vinho
tinto suave chileno
saiu pra dançar na tentativa de esquecer a doçura de um outro rapaz, queria nunca mais ver aqueles olhos outra vez.

dançou como se estivesse só
toda a tequila do bar era sua por obrigação
a melhor maneira de não lembrar dele ou de mim – pensou.
quando se viu estava sentado junto de um cão
no meio fio

e em um misto nada sensato de lágrimas e vômito
viu tudo apagar de forma embaçada
acreditou na própria loucura, já que nada parecia tão real
seus restos ele ainda expelia com choros soluçantes que só dava pra se ouvir o som

cambaleou e saiu andando pelo escuro até tropeçar no que parecia ser uma motocicleta
caído no chão ouviu uma voz chegando perto e respirou mais fundo
a voz, doce e atordoada, perguntava:
- você está bem?
ele, ofegante, não via, só sentia:
- estou bem, só não some de mim.
por renan brum

terça-feira, 10 de agosto de 2010

XLVIII

- Está escuro! Acabou o mundo! Vamos, vamos!
- Calma, Alfredinho. Você ainda tem que chupar um pouquinho mais aqui.

por hanny saraiva

XLVII

alguns diziam que era bobagem o que se ouvia na televisão:

hoje é o dia internacional de limpar os olhos. aqueles que estão com imagens permanentes em suas retinas, devem procurar um kit de limpeza no posto de recuperação, o mais rápido possível. não é saudável lembrar.

por hanny saraiva

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

XLVI

- Tudo bem, eu deixo, mas só de luz apagada.
- Pronto. Agora vem aqui, vem.

Os sorrisos dele não se viam.
E ela gozou pela primeira vez.

por mazé mixo

XLV

-Apague as luzes que vamos cantar parabéns!

Apagou-se todas as luzes imagináveis do universo: luz solar, luz elétrica, luz....

E João só conseguia pensar: - Poxa Deus, isso tinha que acontecer no dia da minha
festa?

por luana pinheiro

XLIV

Hoje eu acordei desejando a escuridão e a profundidade do vazio cósmico, mas não consegui. Levantei e disse para o dia: - Dê um rolê! E o rolê veio junto com uma sensação de liberdade e desapego de tudo que foi construído com sacrifício. Joguei tudo que tenho na escuridão sem me importar que pudesse mudar de idéia no cair da tarde. A única coisa que guardei foi a medalha de prata, um presente de uma amiga.
 
Do alto vejo um entulho de tudo que eu fui, com todas as velharias que me acorrentavam e iludiam com sua importância. Dei as costas para a porta e caminhei até o universo com o coração cheio de tags: cabelos desalinhados, mundo livre S.A, Devendra, medalha de prata, fruto, baixo. Mas minha alma chora.
 
por flor baez

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

XLIII

"Eu não vou dar para você nem que a luz volte!" passou a ser uma
expressão comumente usada.
 por iris yan

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

XLII

Patrick, Emanuel e Nadir deixam a sala de exposição interativa de sofás e entram na sala de instalações sonoras onde escutam:

- E agora vai saindo, saindo e líquido, saindo e gargalhante, saindo travisseirístico e peludo. E vira, vira na igreja, vira na caixinha de fósforos, vira na virilha, vira na intenção, vira a noite, vira de costas. Agora está parada, parada de metrô, parada de grafar braille, parada de atropelamento, parada de catalepsia, parada gay. Enfim morre, no dinheiro, de paixão, morre na primeira marcha, morre o assunto, morre de vontade. E tudo sobe, vai subindo e se espalhando, fofocas em prédios, flatos, fogos, fim de tempestade, pipoca, petróleo no fundo do mar, homem-bomba.


Continuam calados e seguem para outra sala do museu.

por henrique de sá

XLI

Nós temos a resposta e se estiver ouvindo essa mensagem, seja lá quem for...
você é a resistência!
por laio c. borges

XL

-Silêncio, eles estão lá fora e podem ouvir muito bem.
-Quem são eles papai? - sussurrou.
-São monstros, ouvi dizer que devoram gente, a escuridão caiu primeiro sobre
eles antes de cair sobre o resto do mundo, eram pessoas frágeis , mas agora são como deuses!
- Como eles se chamam papai?
- Cegos, os chamávamos de cegos...
por laio c. borges

XXXIX

Foi horrível, minha maldição era enxergar, eu não podia tatear, ouvir, falar ou sentir cheiro, porque eu estava atônito, tudo era muito bem iluminado,  aquelas malditas cores eram sedutoras, exaltavam a visão me deixando desesperado, pois faziam com que os outros quatro sentidos não fizessem tanto sentido.

Mas ao acordar em meio à escuridão absoluta, senti cheiro de tabaco, ela estava lá como sempre, tão aromal a beira da cama, eu podia sentir a pele enrugada da sua mão e ouvir sua voz mansa a dizer...

-Acorda, acorda foi só um pesadelo.

por laio c. borges

XXXVIII

Miguel tinha a pele alva como a de um gringo. Mas morava em um sítio invadido em Tinguá. Toda a tarde brincava de pique esconde com sua mãe mulata, de cabelos esvoaçantes. Eles adentravam mata selvagem e se escondiam atrás de árvores sem nomes. Filho único, Miguel achava que segurança era gritar sua matriarca e ser sempre correspondido.

No dia em que tudo ficou escuro, ele estava de short curto e sem blusa. Corria solto tentando encontrar a árvore perfeita. Quando gritou Mãe, a luz se foi. De dentro de seu peito, a palavra repetiu-se desesperadamente. E junto com ela, uma sensação de que precisava correr. A pele cortou-se entre os galhos que o seguravam, o short molhou-se com o orvalho que pingou das folhas. Miguel gritou até ficar rouco. E pela primeira vez, em nove anos de existência, sua mãe não respondeu.

por hanny saraiva

terça-feira, 3 de agosto de 2010

XXXVII

- Tudo isso não passa de uma grande basbaquice, um papo furado! Eu sou sozinho, e daí? Sou sozinho e todos são fantoches do meu bem-estar. Não os entendo nem sei o que pensam, e para mim isso não tem a menor importância. Basta que digam o que me interessa ou me favorece, do contrário, não os escuto. Sou hoje tão egoísta quanto ontem, e ainda estou vivo. Descobri o segredo da longevidade, da auto-satisfação, de gozar rápido por preguiça sem nem se preocupar. E o resto é tão simples como a utopia. O resto eu compro. O fim do mundo é acreditar no amanhã.

por tio goofy

XXXVI

Quando escureceu tudo, como que por instinto meteu a mão no saco. O instrumento ainda estava lá.
"Pelo menos não estou capado," pensou.
E procedeu para a segunda masturbação do dia.

por iris yan

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

XXXV

(na esquina, encostam a mão no akari shouji (estrutura de engenharia civil, paredes de papel) da discoteca japonesa e escutam uma música)

NOVATO PIMENTA
são vozes de edições de gravadoras, de produto musical, não acha? Essas cantoras Pop.

TEREZA ASSIS
não acho

NOVATO PIMENTA
são uquê?

TEREZA ASSIS
acho que são vozes alienígenas gravadas na Rússia e que se reproduzem sobre pixiels

NOVATO PIMENTA
nossa

TEREZA ASSIS
tá na cara que é isso
tão óbvio

por henrique de sá

XXXIV

primeiro houve o caos.
muitos morreram de fome.
outros morreram de medo.
pensaram ser o fim dos tempos. profetas do apocalipse gritavam nas ruas, pregando o suicídio. mas eles próprios não o fariam.
foi alguns dias depois que silenciosamente os agricultores perceberam que as plantas não deixaram de crescer.
cientistas tatearam teorias, e por fim aceitaram que de alguma forma os vegetais conseguiam sobreviver.
o sol ainda era quente, e provia o nutriente invisível para que pudessem continuar sua fotossíntese, que deveria ser rebatizada agora.

houveram sim extinções de muitos animais, mas depois de alguns anos o equilíbrio voltou a reinar.

a vida continuaria.

XXXIII

Quem faturou mesmo foi o dono da empresa que fabricava óculos ultravioletas que viam no escuro (como os óculos usados pelo serial killer no filme "O silêncio dos inocentes"). Nem ele esperava por tamanha interferência divina. A partir daí, todo Natal ele distribuía presentes às crianças nas favelas vestido de Papai Noel (podia ir pelado que ninguém repararia, mas era um homem que gostava de manter a tradição). Era sua forma de agradecer pela sua sorte.

por iris yan

XXXII

Quando a luz acabou, naturalmente os cegos dominaram o mundo. Já estavam acostumados com a escuridão, e bem melhor adaptados. Havia alguns cegos honestos e bons, e outros pilantras. Todo mundo aprendeu a ler e escrever Braille. De resto o mundo não mudou porra nenhuma, porque as pessoas continuaram iguais.


por iris yan

XXXI

"Papai, e como era o mundo quando havia luz?"

"Ah meu filho… o mundo era tão colorido… havia cores diferentes… minha cor favorita era o amarelo."

"O que são cores?"

"As cores são como sons, mas diferentes… você não percebe que existem sons graves, sons agudos, sons leves, sons bonitos, sons feios?"

"Sim, meu som favorito é o da televisão quando ela é ligada ou desligada."

"Então, as cores também eram como os sons, havia uma infinidade delas. É um outro sentido que tínhamos, não sei como explicar. Quando você nasceu já tinha acabado no mundo."

"Uau, que legal! Deve ter sido a melhor coisa do mundo, poder ver cores!"

"Sim, eu também achava que sim… mas segundo seu avô, não."

"O vovô? Por que ele não concorda?"

"Porque o vovô acha que quando acabou a luz, não foi tão horrível quanto quando acabou o metaformolol."

"Metaformolol? O que é isso?"

"Também não sei. Quando eu nasci, já não existia mais. O vovô tentou me explicar mas eu não entendi direito. Você vai ter de perguntar para ele."


por iris yan

XXX

Chegou em casa e sentiu o cheiro de outro homem. Ouviu da sala os gemidos da mulher no quarto. Com cuidado tateou até chegar ao sofá. Sentou-se. Lágrimas silenciosas corriam pelo seu rosto. Não era verdade que o que os olhos não vêem, o coração não sente. Havia outros sentidos. E seu coração sentia, e muito.

por iris yan

XXIX

Quando a luz acabou, José ficou deprimido. Sua mulher não o entendia.
"Mas você é ladrão, Zé, não devia ficar feliz que a luz acabou?"
"Sim… mas agora ficou fácil demais… Eu sou um profissional… qual a graça de roubar alguém nestas condições?"

por iris yan

XXVIII

Quando a luz acabou e tudo era escuridão, pelo menos três pessoas naquele prédio ficaram felizes:
O seu Juca, que já era cego e amargo, amou saber que todos agora estavam na mesma condição que ele. Depois ficou meio preocupado em saber como é que a enfermeira continuaria cuidando dele se ela não ia conseguir diferenciar os seus remédios, mas até ele se dar conta disso já era o terceiro dia de escuridão. Ficou feliz por exatas 56 horas.
A Mariana, que não se sentia mais acanhada e não precisava mais se preocupar em apagar a luz do quarto enquanto transava com Fernando. Por algum motivo, Mariana achou que podia gritar mais alto durante o ato sexual, até Fernando a lembrar de que o fato de não haver luz no mundo não significava que o som não continuava se propagando.
O Fernando, que deu graças a Deus de finalmente poder comer a Mariana de frente, e não ter de colocar um travesseiro cobrindo o seu rosto, pois julgava-a feia e isso o brochava. De corpo ela até que era gostosa e bastava.

por iris yan

domingo, 1 de agosto de 2010

XXVII



por hanny saraiva e henrique de sá

XXVI

dois corpos na cama.
penumbra.
uma luz fraca ao fundo deixava que se visse apenas o contorno do corpo dela, por cima do dele.

dois corpos na cama.
lado a lado, conversaram sobre tempos antigos, sobre lembranças e saudades.
quando ela perguntou seu nome, ele só sorriu.

dois corpos na cama.
fecharam os olhos.
dormiram.
e não houve mais luz.

por mazé mixo

sexta-feira, 30 de julho de 2010

XXV

B: - 5124-0016. Ligar.
Mateus: - Alô?
B: - Oi, Mateus.
Mateus: - Oi. Você já fez?
B: - Fez o quê?
Mateus: - Idiota...
B: - Olha, só to ligando porque ela insistiu muito.
Mateus: - Sei.
B: - Ela descobriu.
Mateus: - Porra, caralho, você é idiota? Por que você contou?
B: - Ela viu.
Mateus: - Viu como?
B: - Ah, você entendeu!
Mateus: - Calmaí.

(Mateus toca no poste à sua frente e uma voz diz “Você está na rua 180. Pra onde deseja ir?)

Mateus: - Cavaleiro das Trevas.

(A voz repete 3 vezes: “Beco sem saída”)

Mateus: - Você tem 10 minutos pra chegar lá.
B: - Nas Trevas?
Mateus: - Vai me devolver toda a porra agora.
B: - Mas ela...
Mateus: - Esquece ela. Sai daí agora! Não quero que você mostre mais.

(B. aperta um interruptor e o andar inteiro onde se encontra desce. Ele carrega uma caixa grande de palitos de fósforo.)

(Cavaleiro das Trevas Rock Bar: Mateus e B. se encontram numa grande sala. As paredes são azuis.)

Mateus: - Fudeu. A gente tem que se livrar dela.
B: - Ai, cara...
Mateus: - Se ela espalhar, vai ser o caos.
B: - Por causa de uma migalha de FAÍSCA?
Mateus: - Você esqueceu o que uma migalha dessa merda faz, gênio?
B: - Tá, eu mato ela. Mas ela chupava tão bem...

por mazé mixo e hanny saraiva

XXIV

sentia-se livre. após tantos anos, sentia-se livre. continuou andando, e ao esbarrar num banco de concreto, se deitou.
sorriu enquanto deitava-se. ninguém viu ele morrer.

por mazé mixo

XXIII

2020 pessoas foram encontradas vagando pelas ruas. só 3 sabiam para onde estavam indo.

dezembro do ano I da Escuridão.



por hanny saraiva

XXII

Desde que se conheceram quando entraram na faculdade, as duas já se olhavam de
maneira diferente, sem entender exatamente porquê. Uma era noiva há três anos,
a outra tinha um namorado super descolado de quem ela gostava bastante. No dia
que acabou a luz, no mundo inteiro, elas estavam no meio da aula de Estatística e
enquanto a primeira reação de todos foi de gritar, correr e se desesperar, a delas foi de
ir calmamente uma de encontro à outra, como se ainda se enxergassem, começaram a se
abraçar, se beijar. O resto foi o resto, o de sempre, o que a gente já conhece.

por luana pinheiro

XXI

Ela abriu o olho pela primeira vez aquele dia às 8 da manhã, sem conseguir saber a
hora exata e não entendeu porque não enxergava. Pensou estar sonhando e adormeceu
outra vez. Acordou mais três vezes até se dar conta de que era manhã, mas não era dia.
Foi até o interruptor e tentou acender a luz elétrica, sem sucesso. Sem entrar em pânico
e agindo como se aquilo tivesse acontecido outras milhões de vezes, saiu do quarto
tateando até a sala, abriu a porta da rua e gritou: - Deus, faça o favor de acender as
luzes, por favor, que eu preciso ir trabalhar?
por luana pinheiro

quinta-feira, 29 de julho de 2010

XX

-Como era a luz, mamãe?
-Não sei, minha filha. Minha avó contava que o mundo era muito complicado. Com os olhos dava pra saber como eram as coisas, mesmo quando estavam distantes. Sem tocar, sem zumbir ou lamber. Como se a gente pudesse ler o pensamento das coisas. Porque cada coisa tinha uma cor.
-Cor? O que era cor?
-Não sei, minha filha. Isso eu não sei.

por josé salsanne

quarta-feira, 28 de julho de 2010

XIX

Um dia antes da escuridão ela pensou em se matar. Dois dias depois da escuridão ela está com a sua faca mais cara na mão. Lê cegamente Tramontina com os dedos, junta e levanta os cabelos com a mão enquanto evoca sensualmente o diabo – Receba este corpo em vida, deguste o meu ódio e o meu amor, minha face agora é sua (corta os cabelos com um golpe de faca), minha pele é sua luva (corta as alças do vestido, que cai ao pés) e qualquer temor é meu inimigo pecador! (enfia com o lado cego a faca gelada na calcinha e sussurra em hebraico) ללקק את השטן בתחת שלי... – Estefani puxa a calcinha rasgada que enrola nos joelhos e sai nua de sua casa colonial com escadas de pedras com a Tramontina na mão. Ela sente o gramado úmido ao mesmo tempo em que um embaralhado de pensamentos e adrenalina impulsionam o acelerar de seus passos, sente seus cabelos de uma forma nova ao mesmo tempo em que se lembra da intervenção satânica o que a faz diminuir os passos respectivamente em proporções contrárias enquanto chora, em 0 Km inicia um movimento de giro no próprio eixo e molha o cabo Tramontina levado ao rosto. Estefani fala consigo mesma enquanto para de soluçar: – Eu não preciso de ritual, criar sentido para as coisas, cortei meu cabelo, que merda, nunca mais “paranóia wicca” na minha vida! – Ela volta para casa, toma um banho, come, dorme e sonha: um shopping cheio de pessoas, torta de bacalhau, um diálogo de Telma e Selma de Os Simpsons e aspiradores de piscina.

por henrique de sá

XVIII

Mariana mora sozinha. Sua casa é pequena. Uma sala, um banheiro e uma cozinha onde não cabe mesa. Nem cadeira, mas cabe um espelho. A vassoura e a pá ficam atrás da geladeira. Ela dorme na sala que não tem sofá, só uma cama, um armário e um longo tapete. Ela chama a sala de quarto.

Mariana acabou de voltar da academia e foi correndo em frente ao enorme espelho que colocou na parede da cozinha. O espelho não cabia no banheiro. E na sala, um espelho tão grande denunciaria a vaidade de Mariana. Que se esforça para nunca revelar seus pecados. Ao chegar em frente ao espelho ela comemora ao ver que a gordurinha na sua barriga, que tanto a incomodava, sumiu. Ela resolve fotografar ali mesmo umas imagens de seu corpo inteiro no espelho para colocar no seu perfil virtual e registrar essa importante vitória em sua vida. Mal podia esperar pelos comentários de suas amigas. Aos 30 anos não é fácil manter uma boa forma. Mesmo sem filhos. Até que a luz do sol que entra pelo basculante da cozinha e reflete no espelho, começou a enfraquecer. Antes que a luz se apagasse totalmente, Mariana disse: -Lá vem chuva. -Não era uma nuvem. Não era nada. A luz simplesmente apagou em todo o universo. Mariana não conseguia entender o que estava acontecendo. Mas ela sabia que a luz não voltaria nunca mais. Parecia já saber que isso aconteceria. Também sabia que não era sonho. Mariana distinguia muito bem o sonho da realidade. Resolveu ligar para sua mãe, que ainda mora, talvez, numa cidade vizinha. O telefone estava mudo. Eram 11 horas da manhã de sábado.

Mariana ficou horas sozinha esperando algo acontecer. Tinha medo de sair na rua. Ficou esperando a vizinha vir socorrê-la, já que morava só. Mas quando abriu a porta de casa ouvia somente gritos. Mariana sentiu fome e tateou no escuro até a geladeira. Pegou a torta de chocolate que comprou para um almoço familiar de domingo na casa da mãe e desejou comê-la toda. Mariana não comia chocolate há 7 anos, desde que se separara do marido. -Se a luz se foi para sempre de que adianta um corpo bonito?- pensou Mariana. Ela passou mal, não conseguiu chegar até o banheiro e vomitou agachada no chão da cozinha. Chorou e o desespero começou a dominar seu corpo. -Que loucura está acontecendo? Será aquecimento global? - E sua beleza? tanto tempo perdido, né Mariana? Ela levantou depressa! Por um segundo esqueceu-se da escuridão, escorregou em seu próprio vômito e bateu com força no espelho da cozinha. Os vidros se despedaçaram e feriram gravemente seu rosto. Sofreu com a dor de pedaços duros em sua carne tão macia. A loucura e a dor que o universo sofreu na ausência de luz dominou a mente de Mariana. Ela começou a rasgar seu corpo com pedaços de vidros. E pensou que aquilo daria um filme. Mariana sonhava em ser atriz. E caprichou no papel principal de um filme de violência. Quando o sangue de suas veias começaram a esguichar forte, Mariana lembrou-se que na ausência de luz seria impossível gravar um filme. Nem exibi-lo. Mas já era tarde demais. A escuridão já tinha terminado com Mariana.

por josé alsanne

segunda-feira, 26 de julho de 2010

XVII


por hanny saraiva

XVI

- Então, acho que é exatamente por aqui aquele sebo que te falei, lembra? – diz Caio, andando e apontando o dedo indicador em alguma direção, em meio à escuridão.
- Ah, sim... lembro. Foi no dia em que te encontrei no teatro, que você falou do sebo. Me diverti muito esse dia...
- Eu também zoei muito.
- Pena que não deu pra ver a peça inteira...
- É, mas foi muito boa a improvisação dos atores quando acabou a luz...
- Será que eles estavam mesmo se beijando ou será que só falaram para aguçar a imaginação da platéia?
- Se foi pra aguçar, conseguiu. Vamos sentar um pouco aqui na praça?
- Pode ser. Aonde tem um banco?
- Aqui ó... nossa, você tá sem blusa, engraçado isso...
- Rs, tipo... foi lá que a gente deu nosso primeiro beijo também, né? Que foi? Você tá sorrindo? Deixa eu sentir...

Caio e Lucas se beijando...

por Elaine Cristina Esteves

XV



por henrique de sá

XIV

Estava entre amigos, me sentei no chão perto da porta e os efeitos começaram a aparecer. Eu já tinha tomado quase uma dose durante os últimos 30 minutos. O suficiente para os efeitos aparecerem. As luzes se multiplicavam. Cada cor e cada movimento. Eu começava a rir sem saber o porquê. Os motivos não eram claros. Eu só procurava saber os motivos. Fiquei preso nisso por um momento. Até que surgiram na minha mente flashes de coisas que me aconteceram durante aquele dia. Um amigo meu me aconselhou a fechar os olhos e os reflexos de luzes presos na minha retina começaram a se ordenar e formar coreografias. De repente comecei a ouvir gritos e algumas mãos começaram a me tocar. Eu só dizia que estava bem. Me lembrei nessa hora da última pessoa que me tocou com tanto desespero. Dois dias antes tinha fodido o sexo que categorizei como o melhor da minha vida. E os reflexos de luzes na minha retina começaram a refazer a cena. Mas um barulho enorme parecido com uma bomba surgiu e me toquei que meus olhos não estavam mais fechados. Mas só conseguia enxergar os reflexos de luzes que estavam colados na minha retina. Não conseguia ouvir mais nada depois do estouro. Continuei a observar a cena que estava sendo formada em meus olhos. Tive a oportunidade de rever com detalhes um momento que eu só havia sentido. As luzes começaram a se apagar aos poucos. E eu não sabia que estava sendo privilegiado em ainda conseguir assistir alguma coisa naquele momento. Quando a escuridão veio a tona senti meu corpo dormente e só então me atentei ao fato de que meus olhos estavam abertos. Não havia luz. Não havia som. Depois esperei o desespero por toda a eternidade, pois eu nunca me sentira tão leve na vida. Quando me batia a saudade, eu relembrava os momentos mais felizes da minha vida. E me orgulhava de ter a memória perfeita. Nunca mais senti meu corpo. Eu estava preso somente a minha memória. Até que um dia a memória me falhou e eu não era mais nada.

por josé alsanne