quarta-feira, 28 de julho de 2010

XVIII

Mariana mora sozinha. Sua casa é pequena. Uma sala, um banheiro e uma cozinha onde não cabe mesa. Nem cadeira, mas cabe um espelho. A vassoura e a pá ficam atrás da geladeira. Ela dorme na sala que não tem sofá, só uma cama, um armário e um longo tapete. Ela chama a sala de quarto.

Mariana acabou de voltar da academia e foi correndo em frente ao enorme espelho que colocou na parede da cozinha. O espelho não cabia no banheiro. E na sala, um espelho tão grande denunciaria a vaidade de Mariana. Que se esforça para nunca revelar seus pecados. Ao chegar em frente ao espelho ela comemora ao ver que a gordurinha na sua barriga, que tanto a incomodava, sumiu. Ela resolve fotografar ali mesmo umas imagens de seu corpo inteiro no espelho para colocar no seu perfil virtual e registrar essa importante vitória em sua vida. Mal podia esperar pelos comentários de suas amigas. Aos 30 anos não é fácil manter uma boa forma. Mesmo sem filhos. Até que a luz do sol que entra pelo basculante da cozinha e reflete no espelho, começou a enfraquecer. Antes que a luz se apagasse totalmente, Mariana disse: -Lá vem chuva. -Não era uma nuvem. Não era nada. A luz simplesmente apagou em todo o universo. Mariana não conseguia entender o que estava acontecendo. Mas ela sabia que a luz não voltaria nunca mais. Parecia já saber que isso aconteceria. Também sabia que não era sonho. Mariana distinguia muito bem o sonho da realidade. Resolveu ligar para sua mãe, que ainda mora, talvez, numa cidade vizinha. O telefone estava mudo. Eram 11 horas da manhã de sábado.

Mariana ficou horas sozinha esperando algo acontecer. Tinha medo de sair na rua. Ficou esperando a vizinha vir socorrê-la, já que morava só. Mas quando abriu a porta de casa ouvia somente gritos. Mariana sentiu fome e tateou no escuro até a geladeira. Pegou a torta de chocolate que comprou para um almoço familiar de domingo na casa da mãe e desejou comê-la toda. Mariana não comia chocolate há 7 anos, desde que se separara do marido. -Se a luz se foi para sempre de que adianta um corpo bonito?- pensou Mariana. Ela passou mal, não conseguiu chegar até o banheiro e vomitou agachada no chão da cozinha. Chorou e o desespero começou a dominar seu corpo. -Que loucura está acontecendo? Será aquecimento global? - E sua beleza? tanto tempo perdido, né Mariana? Ela levantou depressa! Por um segundo esqueceu-se da escuridão, escorregou em seu próprio vômito e bateu com força no espelho da cozinha. Os vidros se despedaçaram e feriram gravemente seu rosto. Sofreu com a dor de pedaços duros em sua carne tão macia. A loucura e a dor que o universo sofreu na ausência de luz dominou a mente de Mariana. Ela começou a rasgar seu corpo com pedaços de vidros. E pensou que aquilo daria um filme. Mariana sonhava em ser atriz. E caprichou no papel principal de um filme de violência. Quando o sangue de suas veias começaram a esguichar forte, Mariana lembrou-se que na ausência de luz seria impossível gravar um filme. Nem exibi-lo. Mas já era tarde demais. A escuridão já tinha terminado com Mariana.

por josé alsanne

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