sexta-feira, 23 de julho de 2010

I

e disse o Senhor: desfaça-se a luz, e a luz se desfez.

ao mesmo tempo apagaram-se as luzes elétricas, os fósforos e as estrelas.
os vagalumes deixaram de piscar, o Melanocetus johnsonii perdeu seu truque luminoso, as algas e o krill pararam de brilhar.

joana estremeceu em sua cama.
a luz do banheiro que entrava pela fresta de sua porta se apagara de repente.
desde que era criança ela não conseguia dormir no escuro, com medo de monstros e estupradores furtivos. agora, aos setenta e seis anos ela ainda não se curara das manias nem dos temores antigos.
tudo estava às escuras em sua casa, que tinha ao menos o dobro de sua idade. ela levantou da cama, tateando as paredes, tropeçando em algo grande e sólido.

no meio de um parque de uma grande cidade de um país qualquer uma mulher dava à luz, às escuras. chorava e gritava de dor e medo. achava ter ficado cega, pois não só as luzes dos postes haviam se apagado, mas também a lua cheia e as estrelas não mais brilhavam.

casais continuaram se beijando nos cinemas, mais tantos outros continuaram trepando debaixo dos cobertores. outros continuaram dormindo, sonhando com dias ensolarados. os jornalistas pediam desculpas aos telespectadores pela falha técnica, mas logo descobriram que o apagão era mundial.

- vou te chamar lúcia, disse a nova mãe à pequena, envolta em sangue e escuridão.
nasceu de olhos abertos.

por mazé mixo

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