sexta-feira, 30 de julho de 2010

XXV

B: - 5124-0016. Ligar.
Mateus: - Alô?
B: - Oi, Mateus.
Mateus: - Oi. Você já fez?
B: - Fez o quê?
Mateus: - Idiota...
B: - Olha, só to ligando porque ela insistiu muito.
Mateus: - Sei.
B: - Ela descobriu.
Mateus: - Porra, caralho, você é idiota? Por que você contou?
B: - Ela viu.
Mateus: - Viu como?
B: - Ah, você entendeu!
Mateus: - Calmaí.

(Mateus toca no poste à sua frente e uma voz diz “Você está na rua 180. Pra onde deseja ir?)

Mateus: - Cavaleiro das Trevas.

(A voz repete 3 vezes: “Beco sem saída”)

Mateus: - Você tem 10 minutos pra chegar lá.
B: - Nas Trevas?
Mateus: - Vai me devolver toda a porra agora.
B: - Mas ela...
Mateus: - Esquece ela. Sai daí agora! Não quero que você mostre mais.

(B. aperta um interruptor e o andar inteiro onde se encontra desce. Ele carrega uma caixa grande de palitos de fósforo.)

(Cavaleiro das Trevas Rock Bar: Mateus e B. se encontram numa grande sala. As paredes são azuis.)

Mateus: - Fudeu. A gente tem que se livrar dela.
B: - Ai, cara...
Mateus: - Se ela espalhar, vai ser o caos.
B: - Por causa de uma migalha de FAÍSCA?
Mateus: - Você esqueceu o que uma migalha dessa merda faz, gênio?
B: - Tá, eu mato ela. Mas ela chupava tão bem...

por mazé mixo e hanny saraiva

XXIV

sentia-se livre. após tantos anos, sentia-se livre. continuou andando, e ao esbarrar num banco de concreto, se deitou.
sorriu enquanto deitava-se. ninguém viu ele morrer.

por mazé mixo

XXIII

2020 pessoas foram encontradas vagando pelas ruas. só 3 sabiam para onde estavam indo.

dezembro do ano I da Escuridão.



por hanny saraiva

XXII

Desde que se conheceram quando entraram na faculdade, as duas já se olhavam de
maneira diferente, sem entender exatamente porquê. Uma era noiva há três anos,
a outra tinha um namorado super descolado de quem ela gostava bastante. No dia
que acabou a luz, no mundo inteiro, elas estavam no meio da aula de Estatística e
enquanto a primeira reação de todos foi de gritar, correr e se desesperar, a delas foi de
ir calmamente uma de encontro à outra, como se ainda se enxergassem, começaram a se
abraçar, se beijar. O resto foi o resto, o de sempre, o que a gente já conhece.

por luana pinheiro

XXI

Ela abriu o olho pela primeira vez aquele dia às 8 da manhã, sem conseguir saber a
hora exata e não entendeu porque não enxergava. Pensou estar sonhando e adormeceu
outra vez. Acordou mais três vezes até se dar conta de que era manhã, mas não era dia.
Foi até o interruptor e tentou acender a luz elétrica, sem sucesso. Sem entrar em pânico
e agindo como se aquilo tivesse acontecido outras milhões de vezes, saiu do quarto
tateando até a sala, abriu a porta da rua e gritou: - Deus, faça o favor de acender as
luzes, por favor, que eu preciso ir trabalhar?
por luana pinheiro

quinta-feira, 29 de julho de 2010

XX

-Como era a luz, mamãe?
-Não sei, minha filha. Minha avó contava que o mundo era muito complicado. Com os olhos dava pra saber como eram as coisas, mesmo quando estavam distantes. Sem tocar, sem zumbir ou lamber. Como se a gente pudesse ler o pensamento das coisas. Porque cada coisa tinha uma cor.
-Cor? O que era cor?
-Não sei, minha filha. Isso eu não sei.

por josé salsanne

quarta-feira, 28 de julho de 2010

XIX

Um dia antes da escuridão ela pensou em se matar. Dois dias depois da escuridão ela está com a sua faca mais cara na mão. Lê cegamente Tramontina com os dedos, junta e levanta os cabelos com a mão enquanto evoca sensualmente o diabo – Receba este corpo em vida, deguste o meu ódio e o meu amor, minha face agora é sua (corta os cabelos com um golpe de faca), minha pele é sua luva (corta as alças do vestido, que cai ao pés) e qualquer temor é meu inimigo pecador! (enfia com o lado cego a faca gelada na calcinha e sussurra em hebraico) ללקק את השטן בתחת שלי... – Estefani puxa a calcinha rasgada que enrola nos joelhos e sai nua de sua casa colonial com escadas de pedras com a Tramontina na mão. Ela sente o gramado úmido ao mesmo tempo em que um embaralhado de pensamentos e adrenalina impulsionam o acelerar de seus passos, sente seus cabelos de uma forma nova ao mesmo tempo em que se lembra da intervenção satânica o que a faz diminuir os passos respectivamente em proporções contrárias enquanto chora, em 0 Km inicia um movimento de giro no próprio eixo e molha o cabo Tramontina levado ao rosto. Estefani fala consigo mesma enquanto para de soluçar: – Eu não preciso de ritual, criar sentido para as coisas, cortei meu cabelo, que merda, nunca mais “paranóia wicca” na minha vida! – Ela volta para casa, toma um banho, come, dorme e sonha: um shopping cheio de pessoas, torta de bacalhau, um diálogo de Telma e Selma de Os Simpsons e aspiradores de piscina.

por henrique de sá

XVIII

Mariana mora sozinha. Sua casa é pequena. Uma sala, um banheiro e uma cozinha onde não cabe mesa. Nem cadeira, mas cabe um espelho. A vassoura e a pá ficam atrás da geladeira. Ela dorme na sala que não tem sofá, só uma cama, um armário e um longo tapete. Ela chama a sala de quarto.

Mariana acabou de voltar da academia e foi correndo em frente ao enorme espelho que colocou na parede da cozinha. O espelho não cabia no banheiro. E na sala, um espelho tão grande denunciaria a vaidade de Mariana. Que se esforça para nunca revelar seus pecados. Ao chegar em frente ao espelho ela comemora ao ver que a gordurinha na sua barriga, que tanto a incomodava, sumiu. Ela resolve fotografar ali mesmo umas imagens de seu corpo inteiro no espelho para colocar no seu perfil virtual e registrar essa importante vitória em sua vida. Mal podia esperar pelos comentários de suas amigas. Aos 30 anos não é fácil manter uma boa forma. Mesmo sem filhos. Até que a luz do sol que entra pelo basculante da cozinha e reflete no espelho, começou a enfraquecer. Antes que a luz se apagasse totalmente, Mariana disse: -Lá vem chuva. -Não era uma nuvem. Não era nada. A luz simplesmente apagou em todo o universo. Mariana não conseguia entender o que estava acontecendo. Mas ela sabia que a luz não voltaria nunca mais. Parecia já saber que isso aconteceria. Também sabia que não era sonho. Mariana distinguia muito bem o sonho da realidade. Resolveu ligar para sua mãe, que ainda mora, talvez, numa cidade vizinha. O telefone estava mudo. Eram 11 horas da manhã de sábado.

Mariana ficou horas sozinha esperando algo acontecer. Tinha medo de sair na rua. Ficou esperando a vizinha vir socorrê-la, já que morava só. Mas quando abriu a porta de casa ouvia somente gritos. Mariana sentiu fome e tateou no escuro até a geladeira. Pegou a torta de chocolate que comprou para um almoço familiar de domingo na casa da mãe e desejou comê-la toda. Mariana não comia chocolate há 7 anos, desde que se separara do marido. -Se a luz se foi para sempre de que adianta um corpo bonito?- pensou Mariana. Ela passou mal, não conseguiu chegar até o banheiro e vomitou agachada no chão da cozinha. Chorou e o desespero começou a dominar seu corpo. -Que loucura está acontecendo? Será aquecimento global? - E sua beleza? tanto tempo perdido, né Mariana? Ela levantou depressa! Por um segundo esqueceu-se da escuridão, escorregou em seu próprio vômito e bateu com força no espelho da cozinha. Os vidros se despedaçaram e feriram gravemente seu rosto. Sofreu com a dor de pedaços duros em sua carne tão macia. A loucura e a dor que o universo sofreu na ausência de luz dominou a mente de Mariana. Ela começou a rasgar seu corpo com pedaços de vidros. E pensou que aquilo daria um filme. Mariana sonhava em ser atriz. E caprichou no papel principal de um filme de violência. Quando o sangue de suas veias começaram a esguichar forte, Mariana lembrou-se que na ausência de luz seria impossível gravar um filme. Nem exibi-lo. Mas já era tarde demais. A escuridão já tinha terminado com Mariana.

por josé alsanne

segunda-feira, 26 de julho de 2010

XVII


por hanny saraiva

XVI

- Então, acho que é exatamente por aqui aquele sebo que te falei, lembra? – diz Caio, andando e apontando o dedo indicador em alguma direção, em meio à escuridão.
- Ah, sim... lembro. Foi no dia em que te encontrei no teatro, que você falou do sebo. Me diverti muito esse dia...
- Eu também zoei muito.
- Pena que não deu pra ver a peça inteira...
- É, mas foi muito boa a improvisação dos atores quando acabou a luz...
- Será que eles estavam mesmo se beijando ou será que só falaram para aguçar a imaginação da platéia?
- Se foi pra aguçar, conseguiu. Vamos sentar um pouco aqui na praça?
- Pode ser. Aonde tem um banco?
- Aqui ó... nossa, você tá sem blusa, engraçado isso...
- Rs, tipo... foi lá que a gente deu nosso primeiro beijo também, né? Que foi? Você tá sorrindo? Deixa eu sentir...

Caio e Lucas se beijando...

por Elaine Cristina Esteves

XV



por henrique de sá

XIV

Estava entre amigos, me sentei no chão perto da porta e os efeitos começaram a aparecer. Eu já tinha tomado quase uma dose durante os últimos 30 minutos. O suficiente para os efeitos aparecerem. As luzes se multiplicavam. Cada cor e cada movimento. Eu começava a rir sem saber o porquê. Os motivos não eram claros. Eu só procurava saber os motivos. Fiquei preso nisso por um momento. Até que surgiram na minha mente flashes de coisas que me aconteceram durante aquele dia. Um amigo meu me aconselhou a fechar os olhos e os reflexos de luzes presos na minha retina começaram a se ordenar e formar coreografias. De repente comecei a ouvir gritos e algumas mãos começaram a me tocar. Eu só dizia que estava bem. Me lembrei nessa hora da última pessoa que me tocou com tanto desespero. Dois dias antes tinha fodido o sexo que categorizei como o melhor da minha vida. E os reflexos de luzes na minha retina começaram a refazer a cena. Mas um barulho enorme parecido com uma bomba surgiu e me toquei que meus olhos não estavam mais fechados. Mas só conseguia enxergar os reflexos de luzes que estavam colados na minha retina. Não conseguia ouvir mais nada depois do estouro. Continuei a observar a cena que estava sendo formada em meus olhos. Tive a oportunidade de rever com detalhes um momento que eu só havia sentido. As luzes começaram a se apagar aos poucos. E eu não sabia que estava sendo privilegiado em ainda conseguir assistir alguma coisa naquele momento. Quando a escuridão veio a tona senti meu corpo dormente e só então me atentei ao fato de que meus olhos estavam abertos. Não havia luz. Não havia som. Depois esperei o desespero por toda a eternidade, pois eu nunca me sentira tão leve na vida. Quando me batia a saudade, eu relembrava os momentos mais felizes da minha vida. E me orgulhava de ter a memória perfeita. Nunca mais senti meu corpo. Eu estava preso somente a minha memória. Até que um dia a memória me falhou e eu não era mais nada.

por josé alsanne

XIII

voava entre nuvens verdes com cheiro de groselha, bem mais alto que os cumes mais altos das montanhas mais altas. a seu lado flutuava uma orquestra de sapos desafinados, que a faziam rir e soltar bolhas de sabão de erva-doce entre soluços.
num piscar de 3 olhos já estava debaixo d`água, segurando as longas barbas de uma sereia-gigante entre corais que lhe sorriam e peixes-palhaço tristonhos com chapéu côco. poder respirar naquele lugar nem lhe causou surpresa, pois desde que se entendia por gente passeava por ali. quase toda noite.
foi quando caminhava numa grande biblioteca que viu uma pequena lâmpada apagando aos poucos num corredor. então todas as outras luzes se apagaram, enquanto aquela primeira lâmpada ainda resistia, piscando lentamente. tentou correr até ela, mas quando se aproximou, sentiu-se caindo num grande precipício.
acordou no chão, ao lado da cama.
por mazé mixo

domingo, 25 de julho de 2010

XII

Após 6 meses de curso, hoje será o grande dia de Iso, ele irá saltar
de asa delta sozinho pela primeira vez. Coloca seu macacão amarelo
marcatexto, checa todos os seus equipamentos de segurança, se prende à
asa delta e checa o equipamento mais uma vez, a gota de suor em sua
testa não esconde a sua ansiedade e a gota de suor na ponta de seu
nariz mostra o medo do primeiro voo, justificado obviamente por ser o
primeiro salto dele sozinho. Iso se ajeita na pista de salto, enquanto
isso ele pensa nas outras 20 vezes que pulou acompanhado, sabia de
olhos fechados onde pousar, isso lhe deixava mais seguro. Iso respira
fundo e começa a correr, a cada passada seu sorriso fica mais
evidente, no último passo ele usa mais força para um melhor salto. O
vento em seu rosto, as pessoas eram inferiores, a sensação de
superioridade, de liberdade era indefinível e aquele horizonte, Iso
admirava o céu azul, a água do mar escura por conta da poluição, porém
as ondas davam o charme ao mar, até que ao olhar para o sol, Iso não
sente aquele incômodo que até da vontade de espirrar, ao continuar
olhando para o Sol percebe que ele está se apagando e rapidamente tudo
a sua volta perde a cor, perde o brilho, a escuridão o cobre como o
Pinguin Rei macho proteje a sua cria. Iso perde o controle de sua asa
delta, que começa a cair rapidamente até que bate em fios de alta
tensão, Iso grita, os 10.000 volts ali estão, o cheiro da carne
queimando ali também se encontra, mas onde estavam as faiscas, onde
estava a chama de cor verde causada pelo material especial do qual a
roupa de Iso é feita?

Iso sabia onde pousar de olhos fechados, mas ele estava de olhos
abertos quando tudo aconteceu.

por getúlio ribeiro

sábado, 24 de julho de 2010

XI

alguém estava morto logo abaixo, ele podia sentir. não fedia nem estava gelado. estava morno como chá esquecido em cima da pia. exalava uma saída às pressas. ele havia pisado na carne enquanto tentava descer a escada do prédio. era estranho o silêncio dessa parte do mundo em meio ao preto.  de que teria morrido a pobre criatura? susto? medo? velhice? quis tocar a pele para tentar descobrir a idade, o sexo, a causa, mas lembrou que o corpo era sagrado. se o tocasse, toda sua razão existencial se evaporaria. ele era feito para santidade, não podia se contaminar.

mas junto com a negritude do mundo, vinha o desejo. quem descobriria? era a chance de aproximar-se, de sentir o contorno do indivíduo, de tentar sentir como eram os pelos.

encostou sua face em qualquer parte do corpo. não entendia. ele achava que a carne era como defeito de parafusos, deformidade de corrente, engrenagem mal conectada. mas o corpo caído era macio. sentiu primeiro as unhas, depois cheirou as sobrancelhas e passou o nariz pela orelha.

o mundo poderia estar envolto a medo e insegurança, mas o desejo nele crescia. vinha pelos pés, passava pelos joelhos, alcançava o peito e explodia nas têmporas.

ele arfou. e como quase todo homem santo, curvou-se. passou a língua nos dentes que estavam mortos e suspirou. havia gosto ainda. em meio a ausência de cor, ele fechou os olhos e talvez tenha adormecido ou se perdido em pensamentos por alguns minutos. ninguém viu. segurou então as mãos do morto e citou uma prece que quase ninguém conhecia.

aí continuou seu trajeto de tatear e descer a escada.

por hanny saraiva

X































por Mazé Mixo

IX

O ataque global micro-estático de bloqueio de luz

- Mãe, se você está vendo tudo preto é porque não foi cegueira coletiva por contaminação da água, tudo ficou preto de uma vez só. – Fala ele enquanto pensa fragmentadamente ao mesmo tempo nas hipóteses de comercio sócio-existencial. – Eu sabia que os objetos eram incluídos e retirados do mercado através de ataques orquestrados, mas não sabia da possibilidade de um ataque global micro-estático de bloqueio de luz. Com certeza isso não é daqui! Mas o que me dá mais raiva é saber que quaisquer acordos interplanetários ou intergalácticos são negociados com governantes, chefes de estados e grupos de muitibilionários do mercado financeiro. E os direitos humanos? E a Democracia? – Sai andando rápido com os braços abertos tateando as paredes enquanto pensa: eu não vou repensar toda a minha dinâmica existencial enquanto não obtiver respostas, imagina, “notícias do dia do jornal cultura oral”, todo mundo repetindo nas esquinas as notícias do dia, Que inferno, porque comprei piano elétrico, vou pegar o violão, não, vou fumar um cigarro. Ascende o cigarro e pensa: Que merda é essa?! Vírus, Bactéria? Caralho, e a indústria? Então fala, - Meu Deus! – anda rápido pelo corredor do quintal, esbarra na cachorra, escuta o som dos vizinhos na rua e grita: - Que porra é essa hein Lobato?! – responde, - Meu pai ta doidinho lá dentro! (risos) Pega lá seu violão, vem pra cá fazer um som!

por henrique de sá

VIII

A luz que entra pela janela do quarto de Maria, trazendo consigo o
calor do sol faz com que Maria desperte de seu sono. Em seu quarto
tudo é milimetricamente organizado. Maria levanta, toma banho e como
se fizesse isso todas as manhãs de sua vida, Maria põe a roupa, coloca
o sapato azul, pega o dinheiro em cima da cômoda. Maria sai do quarto,
desce as escadas segurando o corrimão, vai para a cozinha, assobia,
seu cachorro “Pega Leve” logo vem ao encontro da dona, Maria coloca
seus óculos escuros e sai com “Pega Leve” pela porta da cozinha.

Em cima da mesa uma bolsa de mercado vazia e outra ainda com os
produtos. Maria está na pia segurando com a mão esquerda um pedaço de
alcatra que está sobre a pia e com a mão direita segura a faca para
cortar a carne, Maria levanta a mão sabendo que ali em baixo da lamina
contém 1kilo de carne, gordura, sangue e sua mão. No exato momento em
que ela desce aquela lâmina, com força, como se fosse uma guilhotina,
toda a luz do universo se apaga, o calor da luz do sol ainda existe,
mas a luz se esgotou, foi cortada ou apenas deixou de existir e Maria
continua a cortar a carne sem problemas. No minuto seguinte, escuta-se
“Estou Cego”, “Não consigo enxergar.”, “Meus olhos”... Por toda a
cidade, logo essas vozes se misturam ao som de batidas de carro e
explosões e isso continuou por todo o dia.

Maria está em sua cama, agradecendo a Deus pelos acontecimentos de seu
dia, como se
tivesse desejado muito que aquilo viesse a acontecer. Com um sorriso
puro modelando a sua boca e sua face como se aquele fosse o melhor dia
de sua vida, Maria dorme tranquilamente mesmo em meio a todos aqueles
choros e gritos de pessoas que afirmam estar cegas.

Maria ficou cega há 23 anos após ter sido violentada e torturada por
dois homens.

por Getúlio Ribeiro

VII

"Nossa existência não é mais que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão" (Vladimir Nabokov)

- Você vê? foi o que ela disse para ele quando estava caído, deitado.

mas ele não via. ouvia um barulho de ranger de dentes. um lixar de unhas. o movimento de engolir saliva. mas não via. ela estava parada, à sua frente. respirava lentamente. ele se perguntou por que ela não se mexia. ela deveria assustar, deveria futucar com gadanhas. mas ela só abria e fechava os olhos como se o fechar e o abrir fossem respostas em meio ao blecaute. cílios, ela tinha. compridos. boca, também. lábios desiguais. ele esperou pelo beijo. pelo frio. pelo passar da vida em frente à sua escuridão, mas nada veio.

- você vai me poupar? – ele perguntou.
- não. – ela respondeu – meu nome é Morte.

então ele foi agarrado e desapareceu em meio a sombras inexistentes. O mundo estava escuro e as pessoas ainda morriam.

por hanny saraiva

VI

Em meio a toda aquela escuridão, escutam-se boatos entre um seleto grupo de intelectuais que deve haver mais uma espécie extinta. Eles diziam que na falta da luz haveria a possibilidade de todos os buracos negros terem morrido de fome.

por getúlio ribeiro

V

Impaciente, se concentrou no ponto máximo do seu corpo.
O calor, escorria pelos seus poros no quarto sem ventilação
Se agarrava ao beiral como se dele dependesse a eternidade
E se sentiu assim, um pouco mais animal que habitual
Aos poucos, junto com sua respiração fez-se necessário os sentidos
Ouvia o rapaz ofegante recobrar o fôlego,
Sentia sua pele latejando
O gosto salgado do seu corpo temperando a língua
O cheiro ocre de carne humana..
Mas o que não voltou rapidamente foi sua visão
Misturada a vertigem e a cor de nada preto sombreado
Como se a caixa de Pandora fosse finalmente aberta
Se sentiu deslocar em vitrais de futuro tão passado
E não pode afirmar se alguma vez viu cores e cor de Sol
Ou sequer uma estrela
Tudo era tão naturalmente cor de escuridão
Que pestanejou agitada a mente obscura se alguma vez de fato
Viu luz
O declínio fatídico de todas as coisas
Junto com ela lhe foram tomadas
O rapaz sexuadamente satisfeito a seu lado sumira
O gosto de sexo levado com ele
O cheiro animal suado foi junto a brisa que não passou
Seu corpo tão bem conhecido e projetado se embalou em dormência
Sem sentido algum
Acompanhando a ausência de cores primárias
Sentiu-se em pé
A varanda da janela
Nada via, mas não se desesperou
No fundo dos seus sonhos sempre soube
Que a luz lhe trairia levando seus sentidos consigo
E que a escuridão por fim lhe engoliria.

por amanda nevark

sexta-feira, 23 de julho de 2010

IV

quando a luz do mundo acabou, ela havia batido o dedão do pé no rodapé da sala.
e a dor foi tão intensa que ela fechara os olhos. e de dentro de seus olhos, multicores piscavam como luzes de Natal.
contorceu-se. a dor atingia a ponta do estômago, como se enroscasse e agulhasse em etapas. a dor, o corpo e as cores: choques enviados pelo cérebro.
com os olhos abertos, achou ter visto uma unha arroxeada. era um truque da mente, pois a luz há um tempo se fora e ela estava ali, latejando como se trouxesse o peso do mundo sobre um único corpo. o seu.

por hanny saraiva

III

lavava roupas.
já tinha terminado com as meias de dedinhos e um grande cachecol azul quando tudo à sua volta escureceu.
levou as mãos ensaboadas aos olhos, que arderam. mas a dor foi menor perto do susto, dos gritos que surgiam de todas as partes.
as pessoas pensavam estarem todas cegas.
mas não. foi somente a luz do mundo que se desfez.

por mazé mixo

II

Quando a escuridão chegou ao local onde ela estava, pensou que sua alma havia parado. Pensou nas possibilidades pós-morte e até ter os olhos acostumados à negritude, sentiu o próprio coração entre os dedos. Pulsava consciência e líquido. Ninguém mentia em meio à escuridão. Às vezes quando achava que piscava e nada enxergava, seus olhos varriam cores. Cores que na verdade faziam parte de seu imaginário. Sa queria correr porque a solidão do pretérito-mais-que-perfeito a perturbava. Por qual motivo as luzes teriam ido embora? Por que os pensamentos a transportavam para frente e para trás? Por mais que ela quisesse se acostumar à escuridão, pipocavam imagens de outrora. Para onde partir? Aqui. Ali. O corpo pediu movimento e ela encostou-se à parede. Era gelada, como freezer descongelando. A cabeça começou a doer, a latejar na têmpora. De repente, toda sua estrutura física era sangue percorrendo veias. De repente, todo seu suor de medo havia desaparecido e só restavam algumas palavras de desorientação. A ESCURIDÃO trazia essa ânsia por imagens. Como se o peito sufocasse se as coisas iluminadas não fossem lembradas. Como se todo o efeito do mundo não fosse grito lá fora, mas um fantasma perseguindo o silêncio. A audição era estranha. Ouvir uma gota, um arrolhar, um acorde no fundo. Alguém tocava folk. Como poderia deslizar os dedos na corda se ela nem conseguia se mexer? A melodia cortou seu eu, que começava a rasgar o tempo com linhas imaginárias. SA abriu a porta. Escutou quando o alumínio encontrou-se com as dobradiças e sentiu a respiração do mundo em uníssono. O que as pessoas sentiam ela nem imaginava, mas ela deu o primeiro passo e gritou seu próprio nome para o fim. Como resposta ouviu um “Eu também”. 

por hanny saraiva

I

e disse o Senhor: desfaça-se a luz, e a luz se desfez.

ao mesmo tempo apagaram-se as luzes elétricas, os fósforos e as estrelas.
os vagalumes deixaram de piscar, o Melanocetus johnsonii perdeu seu truque luminoso, as algas e o krill pararam de brilhar.

joana estremeceu em sua cama.
a luz do banheiro que entrava pela fresta de sua porta se apagara de repente.
desde que era criança ela não conseguia dormir no escuro, com medo de monstros e estupradores furtivos. agora, aos setenta e seis anos ela ainda não se curara das manias nem dos temores antigos.
tudo estava às escuras em sua casa, que tinha ao menos o dobro de sua idade. ela levantou da cama, tateando as paredes, tropeçando em algo grande e sólido.

no meio de um parque de uma grande cidade de um país qualquer uma mulher dava à luz, às escuras. chorava e gritava de dor e medo. achava ter ficado cega, pois não só as luzes dos postes haviam se apagado, mas também a lua cheia e as estrelas não mais brilhavam.

casais continuaram se beijando nos cinemas, mais tantos outros continuaram trepando debaixo dos cobertores. outros continuaram dormindo, sonhando com dias ensolarados. os jornalistas pediam desculpas aos telespectadores pela falha técnica, mas logo descobriram que o apagão era mundial.

- vou te chamar lúcia, disse a nova mãe à pequena, envolta em sangue e escuridão.
nasceu de olhos abertos.

por mazé mixo