terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CXIII

Mesmo quando havia luz, alguns homens já conheciam as sombras.
É o caso de Paolo Pedro, 40 anos:
“Não se tratava de pacto com o diabo ou de prática de magia negra. Muito menos de cegueira. Era só uma escolha. Uma opção. Enquanto quase todo mundo buscava algum tipo de iluminação, quer dizer, enquanto a maior parte das pessoas queria a luz, eu ia na contramão e me aventurava pelo labirinto escuro.”
Paolo era artista plástico e viveu a “Era da Luz” das artes visuais:
“Naquela época o mercado das artes estava muito, muito aquecido. As obras atingiam valores estratosféricos. Mas eu não ganhei dinheiro. Meu trabalho era considerado soturno demais pelo mercado. E eu nunca consegui me vender.”
Paolo se vangloria de ter sido um artista marginal, que conheceu a mais profunda escuridão em busca de um conceito estético singular:
“A idéia era construir pontes do meu inconsciente para o meu consciente. Explorar minhas sombras visceralmente. Sei que muitos estetas acreditam que o paraíso está do lado de fora, à orla do nosso próprio pensamento. Mas pra mim nunca foi assim. Não é. O período que passei na cadeia e, logo depois, minha experiência como morador de rua, me fizeram ter certeza.”
Poucos anos antes do Blackout Global, Paolo encontrou o que buscava:
“Então eu cheguei ao centro do meu labirinto. E eu não podia voltar. Era tão escuro que eu percebi que era impossível construir qualquer passagem dali para a luz. Porque, de certa forma, aquela escuridão era, à sua maneira, a própria luz.”
Hoje, Paolo é um dos guias mais procurados por quem precisa se encontrar em meio às trevas:
“Mesmo depois de anos de escuridão, muitas pessoas me procuram querendo que eu as guie de volta pras suas casas, pros seus trabalhos, pros seus carros, até pras suas agências bancárias. Algumas querem voltar pras suas famílias. Continuam loucas. Pra elas, minha resposta é sempre a mesma: não sou esse tipo de guia.”
E Paolo Pedro conclui:
“O que mais gosto no Blackout? Primeiro, a ausência do sol. Amanhã não será um novo dia. A esperança não renascerá. E eu também adoro presenciar a decadência do bom-mocismo que imperava na sociedade da luz. Eu sempre soube que seria assim.”     

por henry g.

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