segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

CXIV

Me fez fechar os olhos sem pedir, pra mergulhar na escuridão do
descobrimento de seu corpo.

Entrei nos emaranhados dos seus cabelos claros, sentindo uma atração
cósmica que fazia minha cintura ter movimentos circulares ainda
tímidos, quando senti seu corpo se aproximar do meu e sua boca
sussurrar em meu ouvido. Minhas mãos foram guiadas a parte mais íntima
de mim mesma, era um mar e tesão súbito. Virei-me na cama, ficamos
frente a frente dividindo o ar quente que estava nos cercando. Levei
minha mão até minha boca, era doce como nunca, era quente... depois
dividi com ela.
Me invadiu, entrou dentro de mim quando me encarou, como se me
desafiasse, brincando de amor. Foi a primeira vez que me vi. 
De olhos fechados, mergulhei naquela gruta do amor sem fim, com o gosto
do seu tesão na minha boca. Não era mais possível escutar a casa, as
pessoas, o cachorro, nem a música, só sua respiração, seus gemidos e
meu desejo. Estava molhada de ter ela. Vesti sua pele, penetrei o mais
fundo possível no seu sexo, uma flor gostosa e farta, entregue, plena!
Minha excitação foi ao teto com o que ela falava, o jeito como ela se
mexia, o tom da voz, as mãos dela em mim, minha língua nela, nosso
sexo.

  Quando abri os olhos, não abri. Não conseguia enxergar mais seu
rosto, estava tudo escuro, logo pensei " ela me fez fechar os olhos,
mesmo sem pedir.. e eu mergulhei na escuridão não só de seu corpo, mas
também de seu mundo".
por Clara Montparnasse

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CXIII

Mesmo quando havia luz, alguns homens já conheciam as sombras.
É o caso de Paolo Pedro, 40 anos:
“Não se tratava de pacto com o diabo ou de prática de magia negra. Muito menos de cegueira. Era só uma escolha. Uma opção. Enquanto quase todo mundo buscava algum tipo de iluminação, quer dizer, enquanto a maior parte das pessoas queria a luz, eu ia na contramão e me aventurava pelo labirinto escuro.”
Paolo era artista plástico e viveu a “Era da Luz” das artes visuais:
“Naquela época o mercado das artes estava muito, muito aquecido. As obras atingiam valores estratosféricos. Mas eu não ganhei dinheiro. Meu trabalho era considerado soturno demais pelo mercado. E eu nunca consegui me vender.”
Paolo se vangloria de ter sido um artista marginal, que conheceu a mais profunda escuridão em busca de um conceito estético singular:
“A idéia era construir pontes do meu inconsciente para o meu consciente. Explorar minhas sombras visceralmente. Sei que muitos estetas acreditam que o paraíso está do lado de fora, à orla do nosso próprio pensamento. Mas pra mim nunca foi assim. Não é. O período que passei na cadeia e, logo depois, minha experiência como morador de rua, me fizeram ter certeza.”
Poucos anos antes do Blackout Global, Paolo encontrou o que buscava:
“Então eu cheguei ao centro do meu labirinto. E eu não podia voltar. Era tão escuro que eu percebi que era impossível construir qualquer passagem dali para a luz. Porque, de certa forma, aquela escuridão era, à sua maneira, a própria luz.”
Hoje, Paolo é um dos guias mais procurados por quem precisa se encontrar em meio às trevas:
“Mesmo depois de anos de escuridão, muitas pessoas me procuram querendo que eu as guie de volta pras suas casas, pros seus trabalhos, pros seus carros, até pras suas agências bancárias. Algumas querem voltar pras suas famílias. Continuam loucas. Pra elas, minha resposta é sempre a mesma: não sou esse tipo de guia.”
E Paolo Pedro conclui:
“O que mais gosto no Blackout? Primeiro, a ausência do sol. Amanhã não será um novo dia. A esperança não renascerá. E eu também adoro presenciar a decadência do bom-mocismo que imperava na sociedade da luz. Eu sempre soube que seria assim.”     

por henry g.