sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CXI

Não há mais luz.
Mas o fogo ainda queima. E mata.

por mazé mixo

CX

Salão do Barbeiro, Subúrbio do Rio de Janeiro.
Samuel, 15 anos, está cortando o cabelo.
No pequeno salão de paredes verdes desbotadas os homens riem, lêem jornal e assistem futebol.
Samuel, suando, segura firme na velha cadeira, tentando não chamar atenção.
O homem aparando seus cabelos aparenta ser mais velho do que seus 41 anos. Tem as mãos grossas e peludas. Na verdade o homem tem pêlos saindo das narinas, das orelhas e da gola da camisa. Cheira a suor azedo e creme de cabelo barato. As mãos, rápidas, deslizam entre os fios, firmam o pente, picotam com a tesoura, enquanto os olhos fogem para o televisor e para as pernas cruzadas da mãe de Samuel, sentada atrás.
A mãe, de saia curta, sorri impaciente.
Samuel sua ainda mais quando vê o homem deixar a tesoura de lado e preparar a espuma para terminar seu trabalho.
São 3 horas da tarde. Um dos times faz um gol. O homem desliza a espuma próxima à orelha do rapaz, que aperta ainda mais os braços da cadeira. A mãe levanta para buscar um copo de água e tem seu corpo seguidos por todos os olhos. A espuma agora chega à nuca de Samuel, que respira fundo. Um dos homens repara no nervosismo do rapaz. A mãe senta-se novamente. O barbeiro começa a deslizar a lâmina pela espuma. Os pêlos de Samuel enrijecem devagar, seu corpo estremece com as mãos firmes em sua nuca. Mais um gol, do time adversário. O rapaz sente calor, e geme baixinho enquanto os homens gritam com a televisão. A luz se apaga dentro do pequeno estabelecimento. A luz se apaga lá fora. A luz se apaga em todo lugar. As mãos firmes do homem na nuca do rapaz. As mãos do rapaz no seu próprio sexo. As mãos de alguém nas pernas da mulher. Entre a desorientação geral o jovem sorri aliviado, limpa-se e vai embora.

por mazé mixo